segunda-feira, 12 de julho de 2010

CADERNOS DE LANZAROTE


Pode colocar-se a questão de “Cadernos de Lanzarote ser um lado marginal da obra de José Saramago.

Mesmo tendo em conta que a prosa dos Cadernos é belissima – Saramago não sabe escrever mal! - gostaria que José Saramgo não se tivesse metido nos “Cadernos Lanzarote”, ou pelo menos no modo como eles apareceram – mas quem sou? Que sei eu?...

A propósito de um outro assunto, no vol. I , Saramago cita Alexandre O’ Neill que sempre nos recomendou que não contássemos a “vidinha”.

Desde o 1º volume que o incómodo se instalou em mim e aumentou drásticamente com a publicação dos IV e V volumes. Por sorte, as muitas viagens que foi obrigado a fazer para falar dos livros, receber distinções académicas, o proprio Nobel, o afastaram da publicação de outros volumes dos Cadernos.

Fosse por exigência editorial, fosse por vontade própria, fosse pelo que fosse, os Cadernos aconteceram e lá terei que trazer o lugar-comum: em Saramago nada nos pode deixar indiferentes.

O 1º volume saíu em Abril de 1994 e contempla os días que vão de 15 de Abril a 31 de Dezembro de 1993. Saramago sabia os riscos que corria e aprestou-se a advertir logo na abertura da escrita: “Este livro, que vida havendo e saúde não faltando terá continuição, é um diario. Gente maliciosa vê-lo-á com um exercício de narcisismo a frio, e não serei eu quem vá negar a parte de verdade que haja no sumário juízo, se o mesmo tenho pensado algumas vezes perante outros exemplos., ilustres esses, desta forma particular de comprazimento próprio que é o diario.”

Numa conversa telefónia, o escritor João de Melo (Vol. II, pág. 137) dá a opinião de “que os “Cadernos”, tal como eu os concebí e vou redigindo, dão armas aos meus inimigos. Com a serenidade de quem já leva muita vida vivida, tranquilizei-o: em primeiro lugar, os meus inimigos não precisam de armas novas, usam bastante bem as antigas; em segundo lugar, para os amigos é que eu escrevo, não para os inimigos.”


Ainda no vol. II (pág. 172) escreve Saramago: “Já antes, porém de modo vago, uma ou outra alusão de amigos a casos descritos nestes “Cadernos” me tinha causado o mal- estar de quem de repente se dá conta de haver dito o que deveria ter calado, umas quantas insignificâncias aparentes, que, afinal, teriam acabado por tornar flagrante o que desejaria manter oculto.”


O escritor António Tabucci no “JL”, 4 de Janeiro de 1995:

“José Saramago, que diz ter ido procurar a solidão nas Ilhas Canárias, é o menos solitario de todos nós. O seu “Diário” desenrola-se entre jantares elegantes, editores internacionais, cocktails, recepções nas embaixadas e citações de elogios à sua pessoa.
Como bom novo-rico, Saramago, impante de orgulho do seu renome internacional, exibe-o qual troféu, assim como os caçadores nos romances de Hemingway exibem a cabeça de uma gazela.
Um médioco da minha aldeia, uma espécie de médico filósofo, discípulo de Hipócrates e Galeno, disse-me recentemente uma coisa que me deu que pensar: os escritores quando envelhecem, devem ter cuidado com duas hipertrofias, a do ego e da próstata. Não conheço o estado da próstata de Saramago, mas a sua hipertofia do ego, é evidente neste “Diário” que anda à volta do seu umbigo.”


Torcato Sepulveda no “Público” de 16 de Abril de 1994:


”Cadernos de Lanzarote” assemelha-se a um guía das viagens do autor pelo mundo fora, porque o convidam muito para falar sobre as suas ideias. Ainda assim, isso poderia ajudar-nos a entender a obra de Saramago, se ele nos transmitisse aquilo que disse nesses colóquios aos seus ouvintes. Mas o que lá está limita-se, quase sempre, a cominucar-nos que ocorrersm sucessos, que os estrangeiros o estimam, enquanto em Portugal não o amam.”!

Provavelmente os “Cadernos de Lanzarote” serão mais importantes com o passar dos tempos e não podemos esquecer que no 4º volume (pág. 54), José Saramago deixou escrito:


“Na verdade, terá de vir procurar-me nestas crónicas quem verdadeiramente me quiser conhecer."

Cadernos de Lanzarote


José Saramago
Editorial Caminho
1º volume: Março de 1994
2º volume: Março de 1995
3º volume: Março de 1996
4º volume Março de 1997
5º volume: Outubro de 1998

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