domingo, 22 de abril de 2012

JANELA DO DIA


Por norma os fins-de-semana são dias parcos em notícias, os políticos, os fala-barato, vão arejar e, apenas ficam as outras notícias, normalmente mortes, outras tragédias, por vezes, um acontecimento feliz.
É um tempo propício para colocar à janela o que, nos últimos dias, fui lendo pela concorrência.

1.

João Gobern, comentador de futebol num programa de televisão, foi dispensado por ter recebido a notícia de um golo do Benfica com um festejo contido. A RTP dispensou-o por ter festejado; eu tê-lo-ia dispensado por ter festejado contidamente. Celebrar um golo de qualquer clube é um acto de liberdade. Celebrar um golo do Benfica é um acto de liberdade e de bom gosto. Quem contém a liberdade e o bom gosto merece castigo.
Aqueles que acusaram a RTP de perseguição aos vermelhos estavam certos apenas em parte. Este novo macartismo é, na verdade, daltónico. Amanhã acontecerá o mesmo com adeptos do Sporting, do Porto, do Braga, do Arrifanense. Não se admite que quem fala de futebol goste de futebol. Quantos dos nossos amigos que se interessam por futebol e gostam de falar sobre ele não têm clube? Quantos dos que apreciam literatura não têm escritores preferidos? Quantos dos que sabem de música não se emocionam mais com um compositor do que com outro? E, no entanto, a esmagadora maioria dos comentadores de futebol que vemos na televisão não tem clube preferido. São apenas entusiastas assépticos das transições defensivas, burocratas da basculação, geómetras do duplo pivô. Não são exactamente seres humanos. São semideuses que não se deixam afligir pelas paixões da alma. Ora, estes comentadores, tal como João Gobern, não relatam factos, comentam. Exprimem opiniões. O que torna o seu trabalho muito mais difícil, uma vez que os robôs não têm opiniões. Os comentadores políticos podem manifestar a sua preferência por determinado programa político ou líder partidário. Nenhuma estação dispensa um crítico de cinema quando exprime regozijo por um filme ou um artista da sua predilecção ter vencido um prémio. No futebol, talvez por ser matéria mais importante que a política e a arte, não se admitem gostos.
Há uma única excepção. Quando a brava selecção lusitana defronta a estrangeirada bárbara, não só os comentadores como os próprios jornalistas podem festejar o que quiserem, designadamente atirando ao ar os papelinhos que resultaram de terem rasgado o código deontológico. No futebol, o amor à pátria é o único que se tolera.
Parece-me mais proveitoso que quem exprime opiniões sobre futebol tenha mesmo opiniões sobre futebol. E parece-me mais honesto que não as esconda. Pessoalmente, nunca escondi que sou do Benfica, não por uma questão de honestidade mas de imodéstia: ser benfiquista é a minha melhor qualidade - se não for a única. E não tenho grandeza de carácter suficiente para a manter secreta. Um adepto do Vasco da Gama chamado Carlos Drummond de Andrade escreveu: "Para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração." Felizmente, a RTP já não foi a tempo de lhe mergulhar o coração em formol.

Ricardo Araújojo Pereira na Visão.

2.

Está farto de aturar auxiliares de limpeza da Escola de Chicago? Então só há duas estratégias para si:

1. Emigre. Ganhe mais do que eles. Dispare à distância sobre a manada. Recolha as carcaças. Repita.

2. Organize-se. Participe em sindicatos, crie associações de interesses locais, inscreva-se num partido. Faça barulho. Nunca negoceie.

Esta gente não se combate com argumentos.

Luís Miranda Jorge no Delito de Opinião

Legenda: ilustração de Fátima Rolo Duarte

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