terça-feira, 8 de maio de 2012

SARAMAGUEANDO


Com a prontidão costumada, a Wikipédia diz-nos que o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores é atribuído desde 1982 e visa consagrar uma obra de ficção de autor português, publicada no ano anterior à atribuição do prémio.

Começou com o valor de 750 contos, em 1990 passou para 2.000 contos e actualmente, o vencedor recebe 15.000 euros.

No início de 2005 recebeu a designação de Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB (Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas).

Apenas em 1993, com O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o prémio da Associação Portuguesa de Escritores, é atribuído a José Saramago.

Mas antes de se chegar lá, passeemos um pouco pela história do prémio, mais concretamente, pelo ano da primeira atribuição, bem como o do ano de 1984.

José Gomes Ferreira dizia que a arte não se premeia, persegue-se.

Não gosto de prémios.

Premiar obriga a uma escolha, uma escolha que tem diversos cordelinhos a envolvê-la: amizades, ódios, invejas, gostos, tendências, conciliábulos, boatos, especulações, política.

Até hoje, muitos o foram, mas não é possível, francamente, existir unanimidade.

Na revista do Expresso de 1 de Abril de 1983, Regina Louro, reportava uma antevisão do prémio.

Título da peça: Grande Prémio para um escritor: quem será, será…

Na próxima quarta-feira haverá em Portugal um escritor feliz. Feliz e abonado. Terá ganho o Grande Prémio da Associação de Escritores, e o mesmo é dizer: o maior galardão literário existente entre nós.

O ano de 1982 dera uma safra de bons romances, se bem que no balanço publicado pelo Diário de Notícias, João Gaspar Simões chamou-lhe “o balanço impressionista de um ano pouco impressionante” e o balanço de Maria Lúcia Lepecki, no Expresso, deixa vincado que “não são numerosos os livros absolutamente invulgares, mas muitos são francamente bons”.

O júri, os nomes só viriam a ser conhecidos no dia da atribuição do prémio, debruçou-se sobre uma trintena de livros, onde se encontravam: Café República de Álvaro Guerra, Ora Esguardae de Olga Gonçalves, Paisagem com Mulher e Mar ao Fundo de Teolinda Gersão, O Inventário de Ana de Maria Isabel Barreno, O Número dos Vivos de Hélia Correia, A Manta Religiosa de Nuno Júdice, Explicação dos Pássaros de António Lobo Antunes, Passeios do Sonhador Solitário, O Bosque Harmonioso de Augusto Abelaira, O Cais das Merendas de Lídia Jorge, Balada da Praia dos Cães de José Cardoso Pires, Rio Triste de Fernando Namora, Memorial do Convento de José Saramago.

Em Abril de 1983, apenas tinha lido as obras de Cardoso Pires, de Saramago, de Teolinda Gersão, de Abelaira, de Hélia Correia, de Lídia Jorge.

No lote dos favoritos estavam Saramago, Cardoso Pires e Namora.

Volto ao artigo de Regina Louro:

É claro que eu poderia confessar que já sei, a uma semana de distância, quem é que vai ganhar. Ninguém me prenderia por isso, ao que suponho, e até talvez aumentasse a minha reputação jornalística.

No dia 6 de Abril de 1983 ficava a saber-se que, por unanimidade do júri, José Cardoso Pires era o primeiro galardoado com o prémio da Associação Portuguesa de Escritores.

O júri era composto por Jacinto Prado Coelho, Maria da Glória Padrão, Maria Lúcia Lepecki, Óscar Lopes, Álvaro Salema.

Quando o prémio foi anunciado, José Cardoso Pires, estava sentado na plateia do Apolo 70 a deliciar-se com o filme de Francis Ford Copolla Do Fundo do Coração.

Perguntaram-lhe, pouco depois, o que ia fazer com o dinheiro:

Vou pagar impostos atrasados e algumas dívidas pessoais.

Clara Ferreira Alves no JL:

Dizia-se a meia voz e pelos cantos habituais que o júri zaragateava, barafustava, gritava e discutia com veemência os méritos dos principais candidatos à paternidade da que seria considerada a melhor obra de ficção de 1982.

Olham-se os nomes que constituíam o júri, e muito dificilmente, tanto quanto deles se conhecia, se entende a unanimidade.

Suspeito que sou, a minha escolha recaía em José Saramago, mas também gosto do livro do Cardoso Pires.

Como lá trás se diz sobre o raio das escolhas: amizades, ódios, invejas, gostos, tendências, conciliábulos, boatos, especulações, política.

Final de Balada da Praia dos Cães:

É então que vê passar as três jaulas rolantes vindas não se sabe donde. De longe. Certamente da auto-estrada do norte, Avenida do Aeroporto abaixo, atravessando a cidade. São três transportes de circo, gradeados mas sem feras, que avançam de madrugada. Dentro deles viajam os tratadores com um ar estúpido, ensonado. Desfilam pelas ruas desertas, sentados no chão, pernas para fora, caras entre grades.
Elias deixa de cantar. Durante o resto do caminho pensa nos tratadores enjaulados a atravessarem a noite sobre rodas: o que mais impressiona é que pareciam vaguera sem destino.
                   
                     Passagens de zarzuela e trechos avulsos entoados pelo chefe de brigada
               Elias Santana durante o seu passeio nocturno:
                      - La Violetera   
                      - O Último Couplet
                      - Carmen, de Bizet
                      -  Oh, Sole Mio
                      - Os Sinos Corneville.)
          

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