quinta-feira, 5 de julho de 2012

OLHAR AS CAPAS


O Grande Sonho do Paraíso

Sam Shepard
Tradução: Margarida Periquito
Capa: Raquel Porto
Relógio d’Água Editores, Julho 2004

Se ao menos ela me pudesse ver agora, ela teria a certeza de que me ama, aposto. Aposto que teria. Como é que não havia de ter? Olhem para mim agora. Como eu estou. Se ela ao menos me pudesse ver assim – à espera dela, horas mais cedo, muito antes de ela chegar; à coca de qualquer sinal ou som dela. Ela havia de ver como eu estava ansioso. Ela havia de ver este desespero no meu peito. Se ela ao menos me pudesse ver agora, de longe, sem eu saber que ela me estava a observar, ela havia de me ver como eu realmente sou. Como é que ela poderia não ter qualquer sentimento por mim, então? Uma certa – mas talvez não. Talvez seja – quer dizer, talvez haja alguma repulsa numa coisa como essa. Não sei como é que isso funciona exactamente, mas – talvez haja – uma reacção de qualquer tipo quando alguém está demasiado necessitado. Não sei. Qualquer – convulsão. Não. Não, não é – Não é isso. Isso nem sequer é uma palavra, pois não? «Convulsionar.» Se ao menos ela se conseguisse lembrar daquela vez, quando é que foi – daquela vez lá em Knoxville, quando nos estávamos a beijar no comboio; aquele beijo longo longo que demos – despedindo-nos e o comboio de repente arrancou da estação, mas eu não era para ir com ela; quer dizer, é por isso que nos estávamos a despedir, pensando que não nos íamos voltar a ver durante muito, muito tempo, e estávamos fechados naquele longo – só a beijarmo-nos, e a beijarmo-nos, e de repente o comboio começou a mover-se e não houve maneira de eu poder sair. Árvores e casas passavam como relâmpagos. Depois despejaram-me na estação seguinte, que ficava uma porção de quilómetros adiante, e lá estive eu, horas à espera do próximo comboio em sentido contrário – quer dizer, se ao menos ela não me pudesse ter visto, ali em pé à espera, ela havia – ela de ter certeza havia de me amar. Quer dizer, como é que ela não teria qualquer – não sei. Não sei o que é que faz com que isso aconteça – essa ligação – nunca mais. Se é que alguma vez existiu.

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