sábado, 3 de novembro de 2012

ACORDAI!


Eram milhares e milhares e milhares das mais diversas e diferentes gerações, dos mais diversos partidos, muitos sem partido, outros nem sequer alguma vez exerceram o direito de votar.

Por um sábado de Setembro invadiram as ruas para, aos senhores do governo, dizerem basta!

Cantou-se o Acordai!

Sabe-se que o futuro de um povo joga-se na acção, nunca na inacção.

Nos últimos trinta e seis anos andámos a colocar nas cadeiras do poder gente que nos conduziram à fome, à miséria, às mais diversas provações

Entretidos em coisas de somenos, não demos pela teia, que em redor de um povo, uma série de aldrabões e corruptos acabaram por tecer.

De repente, o povo acordou do estado de coma e veio para a rua gritar: Acordai!

Espero que de uma vez por todas…

…espero.




O Acordai nasceu durante o reino do medo, quando os frutos amargavam e o luar sabia a azedo e é uma das muitas canções a que alguns dos nossos melhores poetas emprestaram palavras e que foram musicadas por Fernando Lopes Graça.

Na conta capa do disco, explica ao que vinham essas canções:

O que são as “Canções Heróicas” que, pela primeira vez, se oferecem ao público editadas em disco? Resumidamente, podemos dizer que são obrinhas de circunstância ou, se quisermos ser mais explícitos e sem temer o uso rigoroso das palavras, defini-las-emos como canções politicamente empenhadas. Politicamente empenhadas no sentido, ou na medida, em que pretenderam contribuir – e cremos que de facto contribuíram – para a luta do povo português, a que primordialmente foram destinadas, contra o regime despótico, anti-democrático e violentador de corpos e almas que durante cerca de cinquenta anos lhe foi imposto.

Um ministro de Salazar disse: É mais perigoso um mi bemol de Lopes Graça do que mil panfletos subversivos.


Por sua vez, José Gomes Ferreira, em A Memória das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim, conta como, naquele ano de 1945, tudo começou:




Nesse Verão, como lhe contasse que eu ainda não tinha encontrado poiso no campo para convalescer, Fernando Lopes Graça, propôs-me:


-Venha comigo para o Senhor da Serra, perto de Semide…
- Há por lá alguma pensão?

- Pensão propriamente dita não há. Mas a srª Rosinha costuma receber hóspedes num quartito muito limpo e com uma vista extraordinária para o Vale da Lousã… E fica a dois passos da casa do João José Cochofel, onde vou instalar-me.

Na casa de João José Cochofel juntaram-se, então, Fernando Lopes Graça, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira.

Novamente José Gomes Ferreira:

Por esses dias, com tantos poetas às ordens, ensejou-se a Fernando Lopes Graça realizar um velho sonho que expôs em meia dúzia de frases sóbrias aos circunstantes. Queria letras para canções. Marchas, danças, rondas infantis, hinos… O que nos apetecesse. Contanto que não nos demorássemos muito, pois a inspiração já ardia.


Esgotada a inspiração dos poetas circundantes, Fernando Lopes Graça implorou o auxílio a Coimbra (Joaquim Namorado, Arquimedes, Ferreira Monte) e a Lisboa, donde acudiram ao chamamento Mário Dionísio, Armindo Rodrigues e Edmundo Bettencourt.

Estamos hoje no limiar do desespero.

Resultado da incompetência do governo, encontra-se, há uma semana, em Portugal, uma delegação do FMI, como diz um comunicado do governo, gente com profundo conhecimento e experiência no aprofundamento da corte de despesas.

Mais do que nunca, que ninguém esqueça:

ACORDAI!


Legenda:
Canções Heróicas e Canções Regionais Portuguesas, Coro da Academia dos Amadores de Música, A Voz do Dono 061 – 40 328 editado em 1974

Primeira fotografia onde se vêem João José Cochofel, Fernando Lopes Graça, José Gomes Ferreira.
Segunda fotografia onde se vêem João José Cochofel e Carlos de Oliveira.

Fotografias retiradas da Fotobiografia de José Gomes Ferreira, Publicações Dom Quixote, Lisboa Novembro 2001.

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