segunda-feira, 24 de junho de 2013

LENDO VERSOS, OUVINDO BOB DYLAN


No livro Os Cães Ladram, Truman Capote pronuncia-se sobre Bob Dylan:

Um músico sofisticado (?), um aldrabão que se faz passar por um revolucionário de bom coração (?), mas que não passa de um campónio sentimental.

Claro que Truman Capote não é flor que se cheire e há que lhe dar os óbvios descontos.

Lembro-me de uma conversa, nos idos de 67, com um dos colaboradores do Em Órbita, falha-me, agora, o nome, quando, a determinada altura, disse de Dylan: é um narcisista convicto, um genial cabotino, no sentido intelectual do termo.

Fiquei, assim meio aparvalhado, a olhar para ele, manifestei-lhe o meu desacordo e acrescentei que a definição ainda poderia ser entendida por gente que lesse ou ouvisse Dylan aprofundadamente, mas não pelo vulgar ouvinte.

O meu interlocutor viu, de repente, que não valia buscar outros argumentos, perder mais tempo com o ceguinho que eu, orgulhosamente, era por Dylan.

Mas ele sabia, porque lia e ouvia Dylan atentamente, que chegariam os tempos dos órfãos de Mr. Zimmerman.

A minha música é como uma mágica. Quando a interpreto, eu e ela isolamo-nos do mundo, e vivemos os dois num planeta diferente. Há quem me chame revolatado, mas a revolta que existe em mim é contra a violência da nossa época, é contra o egoísmo que faz os homens esquecerem-se dos outros para pensarem apenas em si. Esta é a minha revolta, este é o grito da minha música.

Em 1969, no Estúdio do Cinema Império vi Don’t Look Back de D.A. Pennebaker, a discussão sobre o cinema-verdade, o perceber de um Dylan cínico, pleno de contrastes.

O tempo do desencanto.

Manuel António Pina para aqui chamado:

O café agora é um banco, tu professora de liceu; Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu. Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes, e não caminhos para andar como dantes.

Tentamos não dar por isso, mas é assim que envelhecemos.

Depois de se separar de Joan Baez, Dylan abandonou a luta política.

A palavra mensagem é triste, triste como uma hérnia.

Ninguém gosta de ser definido por aquilo que os outros pensam.

Queria ter uma vida normal e poder levar os filhos à escola.

No filme de Martin Scorcese, No Direction Home, podemos ver a maneira como Dylan, trata Joan Baez e, ao mesmo tempo, ver a maneira doce, delicada, compreensiva, apaixonada, como ela continua a falar de Dylan:

Ele é o ser humano mais complexo que conheci. Eu pensei que seria capaz de entendê-lo. Desisti. Tudo o que sei é o que ele nos deu.

Quando em 2006 a Relógio D’Água começou a publicar as Canções de Bob Dylan, ainda estive com o livro na mão, mas o preço, qualquer coisa como 25,00 euros, terá sido a desculpa para não comprar o livro. Os meus orçamentos para a cultura sempre andaram por baixo mas havia espaço para excessos. Naquele dia nada disso aconteceu.

Mas este ano, na Feira do Livro, as Canções do Bob Dylan estavam no pavilhão da Relógio D’Água a um preço irrecusável: 20 euros pelos dois volumes.

Não foi o tempo de olhar para trás.

Vieram logo para casa.

E pelos bons velhos tempos, pelos mesmos tempos de sempre, Dylan passará a ser visita regular do Cais do Olhar.

Porque, para além de tudo o mais, existe uma verdade inquestionável: Bob Dylan fez das mais belas canções da história da música, histórias de cantar e ouvir, fez com que muitos passassem a olhar, de um outro modo, os tempos que se exigia que mudassem.

Será um tempo de lembrar poemas para os que acreditam que os ventos estão sempre a mudar.

Ou deveriam estar sempre a mudar.

No fundo dos fundos, mesmo que ele diga o contrário, Bob Dylan foi porta-voz de uma geração.

Deus sabe que há um céu
Deus sabe que está longe da vista
Deus sabe que podemos fazer todo o caminho daqui lá
Ainda que seja preciso andar um milhão de milhas à luz da vela.



Nota do editor: o título é roubado a uma crónica que José Cardoso Pires publicou no Diário Popular de 30 de Março de 1967.

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