quinta-feira, 10 de abril de 2014

OLHAR AS CAPAS


Os Arquivos do Silêncio

Egito Gonçalves
Prefácio: Óscar Lopes
Colecção Poetas de Hoje nº 10
Portugália Editora, Lisboa, Setembro de 1963

MORTE NO INTERROGATÓRIO

Às três da madrugada eu dormia sem sonhos.
Minha mulher dormia a meu lado. Eu tinha
uma das mãos pousada sobre a sua coxa.

Uma lua de outono brilhava sobre as ruas;
um ar agreste preparava as noites para o inverno.

Às três da madrugada os companheiros
dormiam quase todos. Um deles, porém,
regressava, fatigado, de um trabalho nocturno.

Era a hora dos fogos-fátuos sobre as campas;
a hora em que os exilados buscam o sono em comprimidos.


Às três da madrugada sua mulher ainda velava.
Embrulhada num xaile tinha um livro entre as mãos;
insone, acendera a luz havia meia hora.

Na sala o interrogatório atravessava o tempo;
lâmpadas de mil vátios tornavam a vida irrespirável.

Às três da madrugada o coração fraquejou
e os dois comissários ficaram perante um homem morto
e dois cinzeiros com trinta pontas de cigarros.

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