terça-feira, 15 de julho de 2014

OLHAR AS CAPAS


Hotel Finbar

Dermint Bolger, Roddy Doyle, Anne Enright, Hugo Hamilton, Jennifer Johnston, Joseph O'Connor, Colm Tóibín
Criado e organazizado por Dermont Bolger
Tradução: Maria Filomena Louro
Capa: Henrique Cayatte
Publicações Dom Quixote,  Lisboa Junho de 2004

O vento assobiava fora da janela. Ele olhou fixamente para o tecto e suspirou. Permaneceu em silêncio durante o que me pareceu uma eternidade. Quando recomeçou a falar, a sua voz saiu firme e calma.
«O que eu sinto realmente, pela primeira vez na minha vida, como uma certeza absoluta e derradeira, é que não existe Deus, nunca existiu e nunca existirá. E que estou certo em pensar assim. Que o salão de cabeleireiro, as garrafas cheias de líquido coloridas na prateleira, a cadeira de barbeiro – que só isso existe. Os miúdos de rua a baterem com a bola de ténis na veneziana. Nada mais. Estas pessoas, sim. As suas esperanças por um Deus, sim. Mas nenhum Deus. Nenhum grande ser lá fora. Nenhuma coisa escura. Existe esta conversa, este momento, e é tudo. Aqui e agora, por exemplo, existe apenas este quarto, existe você e eu a conversarmos neste quarto, neste hotel, nesta cidades, onde nenhum de nós mora. Nunca nos conhecemos antes. Hoje à noite conhecemo-nos e falámos. Cinco minutos mais cedo ou mais tarde e não teria acontecido. Mas aconteceu mesmo. Esse é o momento sagrado. Se houver um sacramento é esse. Algo mais abrangente que isso? Muito pouco. As coisas que nos acontecem na vida, sim. As nossas memórias, sim. Os nossos desejos, sim. O trabalho que os artistas fazem. Se temos filhos, então os nossos filhos. E todaos aqueles que amamos. Talvez todos aqueles que já amámos até agora. Mas nada mais. Andamos por cá uma vez e acaba-se tudo. Mas não faz mal.»
«E não há vida após a morte?», perguntou ela.
«Não», respondeu. «Para mim, não. Porque viver pelo menos uma vez, bem, já é milagre suficiente.»

Nota do editor: o organizador desta antologia, Dermont Bolger esclarece: Cada capítulo foi escrito por um autor diferente, estando estes ordenados alfabeticamente e não na ordem em que aparecem. Deixamos aos leitores a tarefa de os identificar.
Como os meus conhecimentos da literatura irlandesa são largamente escassos, não consigo identificar o autor do conto de onde a transcrição foi retirada.

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