quinta-feira, 26 de março de 2015

NAS BELAS LIVRARIAS DE BARCELONA


Nas belas livrarias de Barcelona
serpenteando, taciturno, pelo labirinto de estantes
dei-me conta que morreras.

Não mais te levarei livros, pai,
nem caminharás, fumando, pelas ramblas.
Não te perderás nos odores da cidade velha,
nem beberás cerveja pelas esplanadas.
não te indignarás pela infantil monarquia
e seu infantes e infantas de opereta.
Não levantarás escárnio sobre a soberba imobiliária
da burguesia catalã
nem clamarás contra Franco e a aviação ítalo-alemã
e seus mortos dilacerados, pessoas e cavalos, aqui,
na Praça da Catalunha.

Não, tu já não habitas os cafés do Porto,
fechado na lenta música do teu silêncio.
Já não abres, ardendo, os livros
página a página(tua fronte
sustentada em frágeis mãos, magros dedos;
teu barro trabalhado nos sulcos da face;
tua inquietação muda, resignada;
- teu olhar de ternura pelo mundo).

Que alucinação, imagina, sofri
ao passar noutro dia nesses cafés,
de saber-re ausente e ainda assim ver-te,
qual anjo adormecido no côncavo das palavras.

Morreste, pois deixaste de ser visto.
Mas jamais me reconciliarei com a tua morte
e esquecer não é o meu ofício.


João Teixeira Lopes

Barcelona, 5 de maio de 2011

Colocado por Nicolau Santos na sua coluna de Economia no Expresso s/d

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