sábado, 11 de abril de 2015

OLHAR AS CAPAS


Reduto Quase Final

Dinis Machado
Capa: Helena Justino
Bertrand Editora, Lisboa Março de 1989

Abertura com a mais velha estação de comboios do mundo.
Qualquer maneira de começar é uma boa maneira de começar. (De um manual arcaico de contadores de histórias).
Tenho cinquenta e oito anos, um clássico da literatura à minha esquerda, sobre a mesa, fumo uma cigarrilha, estou forrado de roupão, de tranquilidade – e do silêncio um pouco embaciado pelo fumo, raspado lá fora por pneus que rangem. O som dos taipais corridos de repente, uma buzina estridente e ilegal, e a voz, feita de arranques e de paragens, do meu irmão, com movimentos de mãos e surpresas na cara, como fazia o Mickey Rooney, isso foi ontem: quando este livro já andava no ar, como pássaro de papel, no espaço escolhido e geométrico de uma casa instalada na solidão da noite. Sinto-me só e decidido a apresentar, na travessia dos anos, as poucas artes fundamentais do meu papel em palcos do embaraço, do desembaraço, do alvoroço e do medo. Aceite o leitor: há privilégios habitualmente pequenos e duráveis, no reino dos olhos quietos e das horas de espanto, da música, da prata que mora nas salinas, ou que cintila em mares surpreendentes, nas árvores outonais, com folhas que voam na direcção do Inverno, ficando naturalmente pelo caminho, o frio e a lareira dos antepassados, parados numa gravura de parede, os dedos nos cabelos, a palavra no ouvido, a água pesada da mágoa do mundo, depois a dos teus olhos – inocente.
(Duas horas da manhã. As palavras procuram-se. A Dulce dorme lá dentro. Sossegadamente, espero.)

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