quinta-feira, 23 de julho de 2015

SARAMAGUEANDO


O prazer inigualável da releitura dos livros de Saramago.

O gosto das releituras reside, essencialmente no encontrar de ideias e palavras que nos escaparam numa primeira leitura.


Um livro incómodo, por vezes, de uma violência que passa limites, mas que é tão real nos dias reais que vão correndo.

Cegos são os que não querem ver ou aqueles que fecham os olhos ao girar do mundo.

A epígrafe:

Se podes olhar, vê. Se pode ver, repara.
(Pág. 9)

Devagar, ainda mais devagar, arrastando o corpo, voltou para trás, para o lugar aonde pertencia, passou ao lado de cegos que pareciam sonâmbulos, sonâmbula ela também para eles, nem tinha que fingir que estava cega. Os cegos enamorados já não estavam de mãos dadas, dormiam deitados ao aldo, encolhidos para conservarem o calor, ela na concha formada pelo corpo dele, afinal, reparando melhor, tinham-se dado as mãos, o braço dele por cima do corpo dela, os dedos entrelaçados. Lá dentro, na camarata, a cega que não conseguia dormir continuava sentada na cama, à espera de que a fadiga do corpo fosse tal que acabasse por render a resistência obstinada da amente. Todos os outros pareciam dormir, alguns com a cabeça tapada, como se ainda estivessem à procura de uma escuridão impossível.
(Pág. 158)

Haverá um governo, disse o primeiro cego. Não creio, mas no caso de o haver, será um governo de cegos a quererem governar cegos, isto é, o nada a pretender organizar o nada, Então não há futuro, disse o velho da venda preta, Não sei se haverá futuro, do que agora se trata é de saber como poderemos viver neste presente, Sem futuro, o presente não serve para nada, é como se não existisse, Pode ser que a humanidade venha a conseguir viver sem olhos, mas então deixará de ser humanidade, o resultado está à vista, qual de nós se considera ainda tão humano como antes cria ser.
(Pág. 244)

O mundo está cheio de cegos vivos, Eu acho que vamos morrer todos, é uma questão de temo, Morrer sempre foi uma questão de tempo, disse o médico, Mas morrer só porque se está cego deve haver pior maneira de morrer, Morremos de doenças, de acidentes, de acasos, E agora morreremos também porque estamos cegos.
(Pág. 282)

Os homens são todos iguais, pensam que basta ter nascido de uma barriga de mulher para saber tudo de mulheres.
(Pág. 290)

Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.
(Pág. 310)

Legenda: imagem do filme Blindness

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