segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

UMA CERTA LISBOA


Mais um olhar sobre uma certa Lisboa.

O Tejo era um mundo de trabalho: cacilheiros, navios a descarregar ao largo, um mar de fragatas num vai-vem-rio-acima-rio-abaixo.
Olhava-as da mansarda da minha avó paterna, na Rua Senhora do Monte, mesmo na esquina com o Bairro Estrela D'Ouro.
Via-se o Barreiro, a névoa fabril a sair das chaminés, quando ainda as diversas fábricas da CUF não tinham sido construídas no Lavradio.

Fotografia do Ecomuseu Municipal do Seixal.


Padeiros de Lisboa.

Fotografia publicada por  
Lisboa no Guiness


Petrolino à porta.
A vizinha do rés do chão, no prédio onde nasci e cresci, vendia petróleo.
Todos os dias, excepto aos domingos, a carroça ficava armazenada, na Vila do Amaral, ao cimo da rua.
O macho era levado para os lados da Quinta da Eira.

Fotografia publicada por 
Digital Blue.



Natal do Sinaleiro.

Fotografia publicada por Siccapianos.


Um dos barcos a carvão que faziam a ligação Lisboa/Barreiro.
Quando assentei praça, em Tavira, ainda fiz a travessia num destes barcos. Chegou ao Barreiro à meia-noite para apanhar o comboio.correio. paragem em todas estações e apeadeiros.
Chegámos a Tavira às sete e meia da manhã.


Fotografia publicada por Alernavios


O China-das-gravatas.
Mas não eram apenas chineses que, deste modo, vendiam gravatas em Lisboa.

Fotografia de Garcia Nunes
 


Um miúdo-ardina de Lisboa.
Exploração de trabalho infantil ou, como se dizia naqueles tempos, o trabalho do menino é pouco mas quem o perde é louco.
Muitos dos ardinas de Lisboa, um número bem largo, eram corredores de Atletismo.
Vestiam as camisolas do Benfica e do Sporting.
Calcorrear, em alta velocidade, ruas de Lisboa era o tempo de treinar.
A maneira como embrulhavam o jornal e o lançavam para janelas e varandas.
Um assombro de pontaria, certa e colocada.

Fotografia de 
João Martins.


Fotógrafo à la minuta: «olha o passarinho!« Andavam pelos jardins de Lisboa, nas praias, nas feiras de Lisboa e arredores.
O meu avô materno foi fotógrafo à la minuta nos domingos em que não havia Concerto da Banda da Câmara.

Fotografia publicada por 
O Sabor do Olhar


Um aguadeiro na Lisboa antiga.
Como se lê em Memória de Elefante de António Lobo Antunes:
Os portugueses são estúpidos, informava o aguadeiro galego da história da mãe, vimos para aqui vender-lhes a água deles.

Fotografia de José Artur Leitão.




Pelo Natal, venda de perus nas ruas de Lisboa.
Não consegui encontrar nenhuma fotografia que mostrasse a venda no Martim Moniz.

Fotografia publicada por 
Restos de Colecção.


Moços de fretes ou de esquina.
A sós, ou em grupo, não havia nada que não transportassem,
O mandado mais simples era o da entrega de cartas. Mesmo as de amor.
O Armando, vivia na Vila Gadanho, junto à casa da minha avó materna.
Um pouco anormal mas um verdadeiro animal de força.
Um dia, transportou, às costas, uma secretária, desde o sexto andar da Rua da Senhora do Monte, à Graça, até à Mestre António Martins, na Penha de França.
Quis vinte e cinco tostões tostões e um copo, grande, de vinho.
E saiu com mil agradecimentos.
Os vinte e cinco tostões acabavam em mais vinho no Manel da Adega, na Rua Castelo Branco Saraiva.

Fotografia publicada por
 Adriano Pacheco.


Varina de Lisboa numa belíssima fotografia de Joshua Benoliel.
E aquele bonito poema de David Mourão-Ferreira, para música de Alain Oulman e eternizada na voz única de Amália.

 É varina, usa chinela,
tem movimentos de gata.
Na canastra, a caravela;
no coração, a fragata

Em vez de corvos, no xaile
gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile
Baila no baile co’ o mar.

É de conchas o vestido;
tem algas na cabeleira;
e nas veias o latido
do motor de uma traineira.
E nas veias o latido
Do motor duma traineira
E nas veias o latido
Do motor duma traineira

Vende sonho e maresia,
tempestades apregoa.
Seu nome próprio, Maria.
Seu apelido, Lisboa
Seu nome próprio - Maria

Seu apelido – Lisboa.

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