segunda-feira, 9 de maio de 2016

SARAMAGUEANDO


A págs. 268 das Memórias para o Ano 2000, José-Augusto França dá conta  dos encontros realizados no Grémio Literário, e lembra que por lá passaram Sophia Mello Breyner Andresen. Lídia Jorge. José Blanc de Portugal, José Cardoso Pires, o David Morão Ferreira, que ia morrem em breve – e o Saramago, antes do Nobel que tanto gosto deu a ambos. Como e porquê ele sabe.
Sublinhei o como e porquê ele sabe.

Nas Memórias para Após 2000, página 67, fiquei a saber do tal como e do tal porquê.

 Augusto França escreve:

… ou, por interesse próprio, no livro de José Prudêncio sobre Um Céu Dois Caminhos, que é o meu e o do meu coevo amigo José Saramago, com carta astrológica quase comum, a meia hora de intervalo.

Li  Memórias para Após 2000 em Outubro de 2014 e por esse tempo apontei num papel a compra futura do livro Um Céu e Dois Caminhos, que saíra em Maio de 2009.

O papel ficou algures perdido, e como a memória, tida como de elefante, foi chão que já deu uvas, nunca mais me lembrei do livro.


Há dias, por outras procuras, peguei em Memórias para Após 2000 e salta-me de lá o tal papelucho para a compra de Um Céu e Dois Caminhos.

Foi apenas tempo de o encomendar na Pó dos Livros.

O livro nasceu porque José Prudêncio leu, numa entrevista de José-Augusto França na revista Visão, em que este referia o seu nascimento quase em simultâneo com o de José Saramago e a partir deste instigante pormenor, entendeu que seria um bom tema o aprofundar dos muitos caminhos, alguns diversos, mas muitos coincidentes, destas figuras gradas da cultura portuguesa.

 Se assim pensou, melhor o fez.


De Um Céu e Dois Caminhos, disse José Saramago:

Numa dessas súbitas iluminações a que os escritores são atreitos e a que alguns preferem chamar inspiração, ocorreu-me a peregrina ideia de que o último refúgio do romantismo é a astrologia. O problema deste tipo de frases, vindas não se sabe donde e muito menos para quê, é que depois será necessário encontrar-lhes uma explicação tanto quanto possível racional para que o achado não fique limitado a um fulgurante fogo de palha que em três minutos não será mais que um punhado de cinzas negras. Uma razão, ainda que menos convincente do que eu desejaria, é que, tal como está organizado o pátio da modernidade, não sabemos onde meter o romantismo, e portanto a astrologia, tão misteriosa, tão sibilina, tão arcânica, seria um bom lugar onde diluir, no geometrismo implacável de um mapa astral, a violência às vezes extrema dos sentimentos românticos. O tocaio meu que me está fazendo o favor de ler estas mal alinhavadas regras, o quase irmão e quase gémeo José-Augusto França, autor do notável livro que é Le romantisme au Portugal, poderá, querendo, graças ao seu minucioso conhecimento das matérias, confirmar ou infirmar o que aqui se sugere. Embora a astrologia se ocupe mais de planetas do que estrelas, não há nenhuma dúvida sobre o seu campo de trabalho: o espaço celeste, tão responsável por inúmeros suspiros soltados do peito dos jovens e menos jovens tocados pelo anhelo, pela melancolia, pelo mal de vivre que, em última análise, caracteriza o romantismo. Que temos o nosso destino escrito no céu, dizem-nos. Talvez seja verdade, mas é na terra que pagamos as favas.


José-Augusto França entendeu responder:

Caro Zé Saramago, desolados por sua ausência e certos que a nova crise será em breve vencida para que, dentro de um ano, tenhamos ganho 150% da esperança de vida havida ao nascermos nacionalmente, nos idos de 1922.
A sua ideia do romantismo (que coisa ele será? pergunta-se o doutorado nele na Sorbonne) pode ser… Passagem da tragédia dos deuses e dos seus destinos, ao drama dos homens e dos seus caminhos (condicionados socialmente tanto quanto individualmente responsabilizados) a quem vão restando “montes e maravilhas” de poesia que os astros – quê? simbolizam analogicamente. Que, para o Fernando Pessoa (que aqui vejo obscenamente sentado de bronze no terraço da Brasileira donde escrevo), tudo é necessariamente símbolo e analogia. E fica V. sabendo, com este abraço, que estou histórica e minuciosamente trabalhando sobre 1936 – o seu Ano da Morte de Ricardo Reis e dos Sinais de Fogo de Jorge de Sena. Ou seja, do “Ano X” da revolução que o Salazar confiscou – raios nos partiram a todos, tínhamos nós 14 anos…

José Prudêncio, nas primeiras páginas do livro, esclarece:

Quando se fala de astrologia ocorre de imediato, para a maioria das pessoas, os Signos do Zodíaco e as respectivas previsões dos jornais e das revistas, escreve José Prudência nas primeiras páginas do livro.

Encontro-me neste número, mas saí da leitura do livro com uma ideia diferente da que tinha sobre tal matéria.

O assunto é bem mais sério do que imaginara,

Certo que o livro apresenta muitos mapas das vidas de Saramago e Augusto França, bem como das respectivas famílias (elementos, signos, áreas, planetas, algo mais) a necessitarem leitura especializada, mas o resto é deveras interessante, muito por via da transcrição das conversas que o autor manteve com ambos e que oferecem o desnovelar do mistério de duas vidas quase pararelas.

Ou como escreveu Luís Resina na contracapa:

Um livro apaixonante.

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