domingo, 27 de novembro de 2016

TODAS AS JANELAS ESTÃO FECHADAS


Logo ao lado, na divisão contígua, uma grande portada abria-se sobre a famosa varanda, recinto estreito e comprido, concebido para o repouso dos adultos, para todas as aventuras de uma infância na cidade, observatório de todos os possíveis rastos da vida, ponto de convívio obrigatório nas noites estreladas do verão. Nessa época, durante o dia, nas alturas de sossego e também em noites muito quentes, quase todas as janelas e varandas de Lisboa estavam ocupadas: eram as pessoas que aí se visitavam e conversavam, coscuvilhavam, mal diziam e bem diziam. Era um hábito muito interessante e extraordinário convivial que Rómulo de Carvalho lembra, cheio de nostalgia, ao longo da vida.


Era uma característica do tempo, do meu tempo, hoje totalmente ultrapassada. Chego à janela, nos dias que decorrem, e verifico que todas as janelas estão fechadas, dia e noite, a não ser quando se abrem, da parte da manhã para arejar os quartos, mas sem ninguém à vista. À noite é o encerramento total. Que tereia acontecido? Que prenderá as pessoas, dentro de suas casas, invisíveis do exterior, como se o governo tivesse declarado o estado de sítio?

Rómulo de Carvalho em Memórias

Legenda: pormenor de fotografia de Rómulo de Carvalho em Memória de Lisboa

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