quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

NOTÍCIAS DO CIRCO


 A notícia poderia ser o Jorge Silva Melo quando chama mentiroso ao Presidente da República ao dizer que estivera no primeiro espectáculo da Cornucópia, O Misantropo, de Moliére, em 1973, «é que eu é que tratava dos bilhetes, tenho memória infalível, era a nossa estreia e sei lindamente quem foi (muitos já morreram) e quem não foi.»

Mas volto-me para o texto que a Maria do Rosário Pedreira publicou ontem no seu blogue Horas Extraordinárias:

Desde que comecei a trabalhar na edição que vejo muitos jornalistas de qualidade desaparecerem de cena em levas sucessivas de despedimentos colectivos. E reparo que, frequentemente, os que saem são justamente aqueles que eu achava desempenharem melhor a sua função, substituídos por moleques e miúdas que têm quantas vezes ordenados de miséria mas dizem a tudo que sim. Desta feita, a injustiça tocou a alguém que está perto de mim – uma autora que, além de galardoada desde muito cedo como jornalista com quase todos os prémios de jeito que havia para ganhar, ainda arrecadou com o seu romance de estreia o prémio mais cobiçado atribuído anualmente a uma obra de ficção. Falo, evidentemente, de Ana Margarida de Carvalho (e de Que Importa a Fúria do Mar), que acaba de ser dispensada da revista Visão, para a qual trabalhava havia muitos anos, e que tinha seguramente mais bagagem, experiência e talento do que muitos dos seus confrades que lemos ou ouvimos actualmente nos meios de comunicação portugueses. Segundo um post que ela própria publicou no seu mural do Facebook, a terrível notícia foi-lhe dada por um membro dos Recursos Humanos da empresa, nem sequer por aqueles que chefiam a redacção ou dirigem a revista, como se as pessoas já nem fossem pessoas, mas meros números, e não merecessem respeito nem gratidão pelo trabalho que fizeram durante anos. Fico muito triste – não só por ela, mas pelo estado a que as coisas chegaram num país que teve de lutar pela liberdade de expressão durante tanto tempo e que, afinal, mais de 40 anos decorridos do estabelecimento da democracia, volta a comportar-se como se estivesse numa ditadura (a ditadura do dinheiro e das vendas): Pensas, logo não podes existir.

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