terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?



IVAN O TERRÍVEL NO ALENTEJO

Foi exibido pela primeira vez nesta aldeia
não longe do Torrão    onde nasceu Bernardim
Ivan o Terrível    O ecrã era um lençol enorme
estendido como um olho branco entre dois sobreiros


Os camponeses fitaram esse olho inquieto cheio
de sombras de lírios durante horas sem fim
Ou era que a eternidade concentrara
por detrás do pano o magnetismo do mundo


Muito mais tarde os camponeses regressaram
através da charneca    Com eles ia o olho branco
levando-os pela mão    E ajudava as crianças
a atravessar esperanças apenas de riachos


Chegaram por fim às suas cabanas    Tarde
E pela primeira vez os homens esperaram que as mulheres
se descalçassem e se lavassem da poeira
do caminho    Depois beijaram-lhes os pés


Os pares de namorados foram ainda procurar
résteas de um seco rio    Num pequenino charco
procuraram em vão rosto de Ivan    Mas ele ardia
alto e ardia ainda num céu de pano branco

Alexandrea Pinheiro Torres em Poemas Com Cinema, antologia organizada por Joana Matos Frias, Luís Miguel Queiroz, Rosa Maria Martelo, Assírio & Alvim, Lisboa Novembro de 2010

Sem comentários: