domingo, 19 de fevereiro de 2017

COMO DE VÓS

Final da carta de Jorge de Sena para Eugénio de Andrade datada de 2 de Novembro de 1958:

P.S. – Sabe V. que o meu soneto à memória do papa me valeu uma carta anónima do Porto, classificando-o de… não poesia mas desinteria? Palavra que, para meu governo, gostaria de saber quem foi, pois não terá sido um simples leitor qualquer, Investigue-me isso.

Por carta, datada de 10 de Novembro, Eugénio de Andrade responde a Sena:

Que coisa horrorosa essa história da carta anónima! Não poderei averiguar nada sobre isso – há já muito, muito tempo, que me afastei de qualquer convívio de todos os «literatos» capazes de tais infâmias! E aqui há bastantes!

É este o soneto de Jorge de Sena:

Como de Vós

                       À memória do papa Pio XII que quis, ouvir, moribundo, o «Alegret-
                       To da Sétima Sinfonia de Beethoven

Como de Vós, meu Deus, me fio em tudo,
mesmo no mal que consentis que eu faça,
por ser-Vos indiferente, ou não ser mal,
ou ser convosco um bem que eu não conheço,

importa pouco ou nada que em Vós creia,
que Vos invente ou não a fé que eu tenha,
que a própria fé não prove que existis,
ou que existir não seja a Vossa essência.

Não de existir sois feito, e também não
de ser pensado por quem só confia
em quem lhe fale, em quem o escute ou veja.

Humildemente sei que em Vós confio,
e mesmo isto o sei pouco ou quase esqueço,
pois que de Vós, meu Deus, me fio em tudo

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