segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

UM DIA...


Os trabalhos de restauro foram mínimos. Silvestre não queria desrespeitar aquilo que ele chamava de «obras do tempo». De um único labor ele se ocupou: à entrada do acampamento havia uma pequena praceta com um mastro onde, antes se hasteavam bandeiras. Meu pai fez do mastro um suporte para um gigantesco crucifixo. Por cima da cabeça de Cristo ele fixou uma tabuleta onde se podia ler: «Seja bem-vindo, Senhor Deus.» Esta era a sua crença:
- Um dia, Deus nos virá pedir desculpa.
O tio e o ajudante se benziam, atabalhoadamente, para esconjurar a heresia. Nós sorríamos confiantes: alguma protecção divina deveríamos usufruir para nunca sofrermos de enfermidade, mordedura de cobra ou emboscada de bicho.

Mia Couto em Jesusalém

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