terça-feira, 14 de março de 2017

AOS DOMINGOS HÁ LEITÃO ASSADO E LEITE-CREME


Apresentamos o segundo passo da narrativa que António Gedeão escreveu sobre uma sua ida, com a filha Cristina, às Termas da Curia:

De momento viajo para a Curia, onde vou fazer o meu tratamento anual de águas termais milagrosas que fazem com que o meu organismo expulse os cálculos renais de que padeço. Viajo com a minha filha Maria Cristina. Aqui neste comboio sentamo-nos de frente um para o outro. Ela dormita. Eu observo. Vamos sempre ao dois, ano após ano. Observamo-nos, no passar dos anos. Às vezes, a meio da estada, a Natália vem passar uns dias. Concordo que este é um ambiente difícil – muitas senhoras, senhoras mesmo, daquelas que é difícil imaginar de manhã quando se levantam ainda sem os grossos colares de pérolas e sem os seus grossos maridos que também se enroscam à volta dos seus pescoços bem nutridos. Sim concordo! E depois estes horários das tomas de água são rígidos, o primeiro copo às oito da manhã, o segundo, ao meio dia, o terceiro às quatro da tarde, o último, às sete e meia, não dá para ir a lado nenhum, a pequena tem um grupo de jovens, eu escrevo e leio e passeio e como e durmo, o sítio é bonito, muito bonito, o lago, as gaivotas do lago a marulhar namorados, as noites quentes, aos domingos há leitão e leite-creme, não falo com ninguém, não conheço aqui ninguém (nem me interessa conhecer…) gosto muito do senhor Eduardo Simões e da mulher, a dona Maria e acho uma certa graça à Leninha que é a filha e à tarde, ao fim da tarde, quando todas as aves do mundo recolhem nos braços dos castanheiros e das amoreiras deste grande parque existe um silêncio, uma espécie de silêncio que é o mesmo que tenho ouvido em outros locais que conheço, o silêncio na paz dos conventos antiquíssimos, o silêncio das ameias dos castelos arruinados, o silêncio das masmorras exuberantes de condenados, o silêncio dos tempo e dos tempos que já foram e ainda mais dos que virão.


Legenda: fotografia do Mototurismo do Centro

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