segunda-feira, 27 de março de 2017

MIKE SEEGER, ARES DE DUQUE E DE CAVALEIRO ERRANTE


Alain Olmax, no sótão da sua casa na 3rd Street, costumava fazer festas duas vezes por mês e convidava cantores folk para tocar. Bob Dylan foi a uma dessas festas, uma ou duas vezes, e foi aí que viu o Mike Seeger tocar sem the Ramblers.

Ele tocou «The Five Mile Chase», Mighty Mississipi», «Clude Allen Blues» e mais algumas canções. Ele tocava todos os instrumentos, o que a canção pedisse – banjo, violino, bandolim, auto-harpa, viola e até harmónicacom suporte. Mike arrepiava qualquer um. Era intenso, um cara de pau, irradiava telepatia, usava uma camisa branca como a neve e faixas prateadas nas mangas. Tocava todos os planos, o catálogo completo dos estilos dos velhos tempos, todos os géneros e dominava todos os idiomas – Blues do Delta, ragtime, canções trovadorescas, buck-and-wing, danças em linha, danças de festa, hinos e gospel – estar ali e vê-lo de perto inspirou-me. Não se limitava a tocar bem, tocava estas canções tão bem quanto era possível tocá-las. Eu estava tão absorvido a ouvi-lo que nem estava ciente de mim. Mike já possuía nos genes, na sua estrutura interna, aquilo que eu precisava ainda de trabalhar. A música estava-lhe no sangue antes de ter nascido. Não era possível que alguém pudesse, pura e simplesmente, aprender aquilo, e tornou-se claro para mim que teria de modificar os meus padrões de pensamento profundo… que tinha de começar a acreditar em possibilidades que nunca me tinha permitido antes, que encertara a minha criatividade num universo muito estreito e controlado… que as coisas se tinham tornado demasiado familiares e que provavelmente teria que me desorientar a mim mesmo.


Antes do sótão da casa de Alain Olmax, Bob Dylan vira tocar Mike Seeger, com os The New Lost City Ramblers, no pavilhão de uma escola na East 1oth Street:

Ele era extraordinário, até me deu arrepios. Não tinha precedentes. Dava-se ares de duque e de cavaleiro errante ao mesmo tempo. O arquétipo perfeito dos músicos folk. Seria capaz de enfiar uma estaca no coração negro do Drácula. Era ao mesmo tempo romântico, igualitário e revolucionário – tinha cavalheirismo no sangue. À semelhança de uma figura de uma monarquia restaurada, ele vinha purificar a igreja.

Bob Dylan em Crónicas

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