domingo, 26 de março de 2017

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Instinto Fatal é um filme que vive da extrema e feroz sexualidade de Sharon Stone, aquele lento e perverso cruzar/descruzar de pernas de Catherine Tramell, sem roupa interior, cigarro na mão perante um grupo de polícias de boca aberta e baba a escorrer, que a queriam interrogar.

É tudo muito rápido, são breves segundos.

Não se vê nada, apenas a sugestão e isso é o encanto do cinema: na memória de quem vê cinema, os momentos mais eróticos nunca são os mais explícitos, dizia o Sr. Freitas Santos que das duas coisas sabia alguma coisa, mais duma do que de outra.

Com o cabelo louro apanhado, vestido branco curto, senta-se numa cadeira em frente a uns polícias que estão naquela sala para a interrogar.

Prepara-se para acender um cigarro.

Um dos chuis, diz-lhe:

- Não pode fumar aqui!

Com uma calma olímpica, pergunta:

- O que vão fazer? Prender-me por fumar?

Acende o cigarro e fazem-lhe a pergunta:

- Dedica-se a actividades sadomasoquistas?

Com um sorriso, ela devolve a pergunta:

- Em que é está a pensar exactamente?

Por alguma razão, há quem seja de opinião que o cinema foi inventado para filmar as mulheres.

Que seja!

O olhar de Eduardo Prado Coelho no 2º volume de Tudo o que Não Escrevi:

No cinema, Basic Instinct, com Sharon Stone em grandeza e plenitude. Curiosamente, é um filme de que quase toda a gente se sente obrigada a dizer mal, com a preocupação de se demarcar de qualquer suspeita de poder ter gostado por motivos menos puros. Contudo, trata-se de um policial interessante e bem executado, e é difícil ficarmos indiferentes à presença de Sharon Stone. Mas porquê? Por ele ser belíssima e elegantíssima? Seria insuficiente. Há no filme um suplemento de fascínio, que resulta do confronto entre a mera inteligência masculina e uma inteligência sexual que combina o mais feminino dos corpos com a mais masculina capacidade de raciocínio. A famosa cena do interrogatório não é apenas interessante pelo facto de Sharon Stone, ao descruzar as pernas num relance o sexo nu. O que se passas é mais do que isso: é uma debandada (em todos os sentidos do termo) da inteligência masculino policial face a uma inteligência que se reforça na afirmação fálica através do modo como desafia os homens quanto à sua vontade de continuar a fumar. O riso nervoso e perturbado que se difunde entre polícias e espectadores do filme é apenas o reconhecimento constrangido de que uma inteligência sexual é sempre mais inteligente do que uma simples inteligência sem mais nada. O que o filme de Paul Verhoeven tem de provocatório é o curto-circuito que estabelece entre o primitivo da instância sexual e o mito computorizado de uma inteligência sem falhas.

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