sexta-feira, 24 de março de 2017

OLHAR AS CAPAS


Pietr O Letão

Georges Simenon
Tradução Mascarenhas Barreto
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº 145

Seria talvez exagerado pretender que, em muitos inquéritos, nascem relações cordiais entre a polícia e aqueles que, por dever, terá de entregar à justiça.
Quase sempre, a não ser que se trate de um antagonismo especial, estabelece-se uma espécie de intimidade. Isso deve-se, sem dúvida, a que, durante semanas, por vezes durante meses, polícia e malfeitor não pensam senão um no outro.
O inquiridor encarniça-se em penetrar cada vez mais na vida passada do culpado, tenta reconstituir os seus pensamentos, prever-lhe os mínimos reflexos.
Ambos arriscam a pele nesta partida. E, quando se encontram, é em circunstâncias suficientemente dramáticas para fazer fundir a indiferença polida que, na vida quotidiana, preside às relações entre os homens.
Muitos inspectores, depois de terem passado os maiores trabalhos para prenderem um malfeitor, ganham-lhe afeição, vão visitá-lo à cadeia e amparam-no moralmente até ao cadafalso.
Isto explica, em parte, a atitude dos dois homens, mal se acharam a sós, no quarto. O hoteleiro trouxera um fogão a carvão de madeira e ouvia-se a água cantar numa chaleira. Ao lado, entre dois copos e um açucareiro, erguia-se uma alta garrafa de rhum.

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