segunda-feira, 6 de março de 2017

TUDO A CORRER NA DIRECÇÃO CONTRÁRIA


Primeiro de quatro apontamentos escritos por António Gedeão aquando de uma das suas idas para as Termas da Curia, acompanhado da filha Maria Cristina e que se encontram em Rómulo de Carvalho/António Gedeão, Príncipe Perfeito:

Difícil é avançar numa viagem destas, o homem que eu sou, é maravilhoso, é sim, já fui macaco, hoje ando a pé sobre os meus membros, pernas e pés, é maravilhoso, vejo tudo a correr na direcção contrária àquela em que avanço, a correr mesmo, o ar, o céu, o mar, as árvores, os campos, as cidades, o casario disperso, tudo corre antes de mim e na direcção contrária, curioso, eu avanço, tudo o resto avança para trás! De forma que todas as cores se resumem numa só, tal é a velocidade!, que admito ver através da janela deste comboio uma faixa esbranquiçada como fumo a esvair-se em pressa, a desmaiar, a desmaiar e olho sem desviar o olhar sempre em frente pelo vidro da janela, a noite que se aproxima, há um som, um silvo, não sei, não percebo, sinto-me leve a levitar, vejo-me refletido no vidro, a minha cabeça redonda e calva, olhos vivos, a atenção, a curiosidade, não quero adormecer nem quero dormir apesar da noite que é verdade e o comboio que desliza, o homem já assoma, vem a pergunta «boa noite, o bilhete, por favor?» e lá vou eu na doce, na dulcíssima trepidação, neste ligeiro estremecimento até Florença, até Veneza, até Londres, até paris, até Lisboa, até Coimbra, até ao Porto, até a casa, regresso a casa, regresso-te, regresso-me, exalto-me e não me canso, eu vivo, eu vou, eu conheço e mais ainda e tudo o que eu desejo são explosões desta vida que dão o sopro desejado para ferver, para esfriar, ferver, esfriar, ferver, esfriar, quero e quero e quero e posso!

Sem comentários: