domingo, 2 de abril de 2017

OLHAR AS CAPAS


Os Armários Vazios

Maria Judite de Carvalho
Capa: João da Câmara Leme
Colecção Contemporânea nº 83
Portugália Editora, Lisboa, Abril de 1966

Foi um dia de primavera que começou e acabou como todos os outros, pelo menos aparentemente, diria ela, ou melhor, era natural que o pensasse; nunca foi pessoa de muitas falas. Dizia o necessário, mas reduzido ao mínimo indispensável, ou então um necessário que depressa se cansava, se detinha a meio caminho, como se ele se desse subitamente conta de que não valia a pena prosseguir, porque isso era um esforço inútil. Ficava então quieta, sem gestos, hesitante à beira das reticências como alguém à beira de água de inverno, e nesses momentos o seu olhar perdia todo o brilho, era como se um mata-borrão o houvesse absorvido, talvez ainda seja assim, não se, nunca mais a vi. Durante muito tempo não consegui compreender que esses desmaios, porque o eram, a conduziam invariavelmente ao mesmo lugar, ou melhor, à mesma pessoa, à mesma imagem danificada de pessoa, porque, como já disse, não era mulher que se confessasse. As palavras não lhe serviam para explicar o seu pensamento perfeiçoando-o ou disfarçando-o, como é mais ou menos hábito de toda a gente.

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