quinta-feira, 11 de maio de 2017

E O INVERNO NÃO DOA TANTO


Quando o Eduardo Guerra Carneiro foi encontrado estatelado na laje do prédio onde vivia, na Travessa do Abarracamento de Peniche., ali ao Príncipe Real,, o Baptista-Bastos num,  terno e comovente, artigo publicado no extinto Mil Folhas do jornal Público, titulou-o admiravelmente: O Poeta que se atirou para o céu.

Conhecerem-se por aí, nos bares entre copos e cigarradas, nos jornais, como lembrava o Eduardo em O Revólver do Repórter:

Recordo a sala grande da redacção do Diário Popular, conversas de afecto e companheirismo. Recordo, antes e depois, as palavras escritas, os pequenos papéis da solidariedade, o tique nervoso do acender um cigarro, o gesto de agarrar um copo para outra bebida.

A crónica chama-se «Um Soco no Estômago» e disserta sobre o livro de Baptista-Bastos, de 1981, Um Homem Parado no Inverno:

Agora: um soco no estômago. A crueza do vazio. A dolorosa sensação de um frio interior. A cidade cercada, os campos desolados, as conversas perdidas, as ruínas circulares de aldeias remotas envoltas em neblina.
   É como se caminhasse com o peso da memória de várias gerações traídas. Fantasmas entram no discurso e riem nas caveiras brancas de tanta ingenuidade. 

Um Homem Parado no Inverno termina assim:

O inverno vai ser longo e áspero.
Vou ter muito tempo para recordar

Legenda: Baptista-Bastos no Ritz Club, fotografia tirada do catálogo da Exposição Baptista-Bastos: Prosador do Mundo, Museu do Neo-Realismo, Abril 2008

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