segunda-feira, 26 de junho de 2017

AQUILO É A MINHA VIDA



Os meus discos são sempre o som de alguém que tenta perceber o sítio onde deve pousar a sua mente e o seu coração. Eu imagino uma vida, depois visto-a, e vejo como é que me fica. Visto a pele de outra pessoa, a caminhar pelas ruas escuras e soalheiras que sou compelido a percorrer, mas posso não acabar a querer viver mesmo isso. É um pé na luz, um pé nas trevas, em direcção ao dia seguinte. A canção «The River» foi um marco na minha escrita. A influência da música country demonstrou ser presciente quando numa noite, no meu quarto de hotel, comecei a cantar o tema «My Bucket’s Got a Hole in It», de Hank Williams, e o Well, I went upon the mountain, I looked down in the sea (Bem, subi ao cimo da montanha, olhei para o mar em baixo) acabou por me levar de alguma forma até I’m going down in the sea… (Estou a descer até ao rio). Peguei no carro, regressei à minha casa de New Jersey e sentei-me à pequena mesa de carvalho do meu quarto, a observar o céu da alvorada a transformar-se de negro para azul e imaginei a minha história. Era apenas um tipo num bar a falar com um estranho sentado no banco ao lado. Baseei a canção na crise da indústria da construção civil na Jersey de finais dos anos 70, na recessão e nos tempos muito duros que atingiram a minha irmã Virginia e a família dela. Vi o meu cunhado a perder o seu trabalho bem remunerado e, sem nenhum queixume, a ter de trabalhar arduamente para sobreviver. Quando a minha irmã ouviu a canção pela primeira vez, foi aos bastidores, abraçou-me e disse: «Aquilo é a minha vida.» Essa continua a ser melhor crítica que eu já tive. A minha bela irmã, forte e de pescoço erguido, funcionária do K-Mart, mulher e mãe de três filhos, a segurara-se com força e a viver de que eu fugira o mais depressa que pude.

Bruce Springsteen em Born to Run

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