sexta-feira, 25 de agosto de 2017

AQUELE ALI É MÁGICO


José Luandino Vieira para a elaboração dos Papéis da Prisão, contou com uma equipa de organização constituída por Margarida Calafate Ribeiro, Mónica V. Silva, Roberto Vecchi. A equipa finaliza o livro com uma longa entrevista com Luandino Vieira que serve como ajuda para se perceber o mundo de fragmentos que este livro constitui.
Esta é a última abordagem aos Papéis da Prisão que iniciámos a 13 de Dezembro do ano passado.
Um livro de uma importância transcendente na longa luta, portuguesa e angolana, contra a ditadura salazarista/marcelista que durante perto de 50 anos oprimiu o povo português e os povos das Colónias.
Tentámos reproduzir o que nos mereceu atenção e permitiu uma transcrição que não fosse muito longa.
No texto de hoje, a equipa pergunta a Luandino Vieira se está tudo reflectido nos Papéis. A resposta saiu assim:

O que não está… Eu tinha o privilégio de ter uma senhora caboverdiana a fornecer-me o leite, desde que cheguei. Essa história de Ana de Tchumtchum é a de uma muito lenta conquista de amizade, que se transforma em cumplicidade. A outra é a de domesticar um pardal. Domestiquei um pardal, nenhum pássaro é fácil, mas um pardal… Fazia parte das estratégias de conquistar o tempo. E demorou-me tanto tempo a ganhar a confiança de nhá Ana como do pardal. A nhá Ana permitiu-me tirar toda a papelada para fora, pouco a pouco; o pardal deu-me um estatuto, sobretudo diante dos caboverdianos: «Aquele ali é mágico), porque efetivamente o pardal aparecia e pousava no meu ombro. Estávamos todos, os presos, perfilados, para fazer a chamada para entrar na caserna e, de repente, vinha um pardal de um lado qualquer e pousava, pum! E os caboverdianos, da cozinha, a dizer: «Aquele ali é bruxo!». Por causa do pardal…

Legenda: José Luandino Vieira

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