quinta-feira, 19 de outubro de 2017

TALVEZ IRREAL E IDIOTA


28 de Outubro de 1935

A poesia começa quando um idiota diz a respeito do mar: «Parece azeite». Não é, de facto, uma descrição exacta de um mar bonançoso, mas o prazer de ter descoberto a semelhança, a exactidão de um liame misterioso, a necessidade de se gritar aos quatro ventos que de tal nos apercebemos.
No entanto, é igualmente idiota determo-nos aqui. Começada assim a poesia, é preciso terminá-la e compor uma narrativa rica de nexos e que equivalha a um juízo de valor. 
Esta seria a poesia-tipo, a ideia. Mas, habitualmente, as obras são feitas de sentimentos – a exacta descrição da bonança – que, de vez em quando, espumejam em descobertas de relações. Pode ser que a poesia-tipo seja irreal e que – tal como nós vivemos também de micróbios – o que até agora foi feito seja constituído por simples pedaços miméticos (sentimento), por pensamentos (lógica) e por nexos mal esboçados (poesia). Uma combinação mais absoluta seria talvez irrespirável e idiota.

Cesare Pavese em  Ofício de Viver

Legenda: pintura de Joaquin Sorolla

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