sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A ESTRELA


Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava.

Grandes perigos na noite me apareceram :
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a néon enfeitada

A minha solidão me pareceu coroa.
Sinal de perfeição em minha fronte.
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era dum ferro
Tão pesado, que toda me dobrava.

Do frio das montanhas eu pensei:
«Minha pureza me cerca e me rodeia».
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu.

E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram :
Pedi às pedras do monte que falassem
mas elas como pedras se calaram.
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava.

E eu caminhei na noite; minha sombra
De gestos desmedidos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins desolados caminhavam:
Então vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava
E assim eles disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela»
Então soube que a estrela que eu seguia

Era real e não imaginada.
Grandes e humanas miragens nos mostraram
em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava.

E a estrela do céu parou em cima
duma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha o mesmo tom que a cinza
Longe do verde-azul da Natureza

Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água
Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais negra e mais sem luz
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado

Nesse lugar pensei: «Quanto deserto
Atravessei para encontrar aquilo
Que morava entre os homens e tão perto.

Sophia de Mello Breyner Andresen, poema tirado da Antologia Natal…Natais 

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