domingo, 11 de março de 2018

PENSARAM QUE EU ERA UM BONECO.


Carta de Mário-Henrique Leiria, enviada de S. Paulo com a data de 11 de Fevereiro de 1964, para a «Isabelinha bonita»:

Dou-te agora algumas notícias da minha vida, que mão tem sido das mais aleres, talvez porque eu não tenha jeito para saber viver.
O trabalho, coisa que mão tenho outro remédio senão fazer, continua um tipo “free lance”, visto que, indocumentado (ainda), calcula tu!) quase 2indesejável”, não posso ter emprego fixo. Tenho ultimamente trabalhado em arquitectura promocional, realizando stands para Feiras e Salões que abundam por aqui. É geralmente bem pago… quando pagam; e eu sou um razoável criador desse tipo de coisas; muito alumínio, muito vidro, estruturas metálicas, montagens fotográficas e pronto, Não esqueças que fui “quase” arquitecto antes de ser expulso (com o Zé Dias Coelho) da ESBA em 1942, por políticas, claro, diziam até que eu tinha muito jeitinho e ia ter um lindo futuro… viu-se…
Entretanto a minha teimosia cabeçuda tem-me continuado a levar para aquilo que ainda continuo a acreditar como justo e certo. Entrei para o PC cá da terra, mas já tive briga grossa. Raios me partam, porque diabo nunca mais aprendo a ser aluno e pacífico? Quando te disse que estive perto de ti é porque estive de facto. Fui, há meses, com outro nome e só por quatro dias, a uma espécie de congresso num país socialista. Mas, ó diabo, voltei a toque de caixa, porque também aí briguei quando pensaram que eu devia fazer só que sim com a cabeça. Sou ou não sou briguento? Como me pagaram tudo (não tenho nem sombra de dinheiro para uma viagem dessas) pensaram talvez que eu era um boneco. Porra, não sou.

Mário-Henrique Leiria em Depoimentos Escritos

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