Não creio no mundo, nem no dinheiro, nem
no progresso, nem no futuro de nossa civilização. Se houver um futuro para a
humanidade, terá de ser algo muito diferente do que temos hoje.
D.H. Lawrence
Legenda: pintura de Pieter Bruegel, o Velho
Não creio no mundo, nem no dinheiro, nem
no progresso, nem no futuro de nossa civilização. Se houver um futuro para a
humanidade, terá de ser algo muito diferente do que temos hoje.
D.H. Lawrence
Legenda: pintura de Pieter Bruegel, o Velho
Arte de Furtar
Anónimo do
Séc. XVII
Desenhos de Eduardo Batarda
Comentários
de Natália Correia, Armando Castro, Hernâni Cidade, João Bénard da Costa
Capa, arranjo
gráfico: Paulo-Guilherme
Edições
Afrodite, Lisboa 1970
Todos falam na política, muitos compõem
livros dela, e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é. E atrevo-me a
afirmar isto assim, porque, com eu ter poucos conhecimentos dela, sei que é uma
má peça, e que a estimam e aplaudem, como se fora boa; o que não fariam bons
entendimentos, se a conheceram de pais e avós, tais, que quem lhos souber, mal
poderá ter por bom o fruto que nasceu de tão más plantas. E para que não nos
detenhamos em coisa trilhada, é de saber que no tempo em que Herodes matou os
inocentes, deu um catarro tão grande no Diabo, que o fez vomitar peçonha; e
desta se gerou um monstro, assim como nascem ratos ex materia putridi, ao
qual chamaram os críticos Razão de Estado. E esta senhora saiu tão presumida,
que tratou de casar, e seu pai a desposou com um mancebo robusto e de más
manhas, que havia por nome Amor Próprio, filho bastardo da primeira
desobediência. De ambos nasceu uma filha a que chamaram Dona Política.
Dotaram-na de sagacidade hereditária e modéstia postiça. Criou-se nas cortes de
grandes príncipes, embrulhou-os a todos. Teve por aios a Maquiavel, Pelágio,
Calvino, Lutero e outros doutores desta qualidade, com cuja doutrina se fez tão
viciosa, que dela nasceram todas as seitas e heresias que hoje abrasam o mundo.
E eis aqui quem é a senhora Dona Política.
A mulher dos cabelos brancos estava à
janela do primeiro andar
com os antebraços poisados no parapeito.
Tinha um xaile de malha sobre os ombros,
cruzado à frente e as mãos metidas nele.
Quentinha, a mulher dos cabelos brancos.
Postada à janela,
muito ocupada em fazer coisa nenhuma,
com os antebraços poisados no parapeito,
a mulher dos cabelos brancos
só seguia com os olhos quem passava na rua.
Ela nunca tinha ouvido falar no Aristóteles,
nem no Descartes, nem no Sigmund Freud,
mas sabia coisas concretas que a vida prática lhe ensinara.
Sabia que Eva tinha sido feita
de uma costela de Adão,
o que se prova
por os homens terem uma costela a menos do que as mulheres.
E também sabia que o Sol anda à volta da Terra
como é evidente,
e que as salamandras vivas,
postas no fogo,
não morrem nem sequer se queimam,
o que não é evidente mas é certo.
E por saber todas estas coisas,
e muito mais,
a mulher dos cabelos brancos sentia-se muito quentinha
com os antebraços poisados no parapeito.
Eis que, porém,
o relógio do tempo despertou-a.
Então,
pausadamente,
a mulher dos cabelos brancos ergueu o busto,
fechou a janela,
e foi sentar-se na cadeira do costume,
aconchegadinha,
a ver televisão.
António Gedeão de Novos Poemas Póstumos em Obra Completa
Citação de um
diálogo do filme de João César Monteiro A Comédia de Deus:
« Estás
aonde? Em casa ou na fábrica? Esse Tomé só arranja confusões. Não, não. De
amaneira nenhuma. Não te preocupes. Está tudo a andar. O costume. A mulher da
limpeza voltou a não aparecer. Depois vem com umas grandes tretas. É uma
chatice. Mas lá terá que ser… O problema é que não posso deixar isto entregue
aos bichos. Quando o Romão vier. Combino as coisas com ele. Se tiver uma aberta
passo ainda hoje pelo banco e dou uma palavrinha ao gerente. Fica descansada. E
ainda temos quantos quilos em stock? Estamos à vontade. Não senhor. A ideia é
muito simples: deixa-se os clientes a salivar durante uns dias com o anúncio de
esgotado e relança-se o Paraíso em força. . Claro. Com um novo preço que faça
jus à especialidade da casa e à originalidade do sabor. Ò menina, vem no Marx.
Não há omeletes sem ovos. Aumenta os salários que os resultados aparecem. É
elementar e tu sabe-lo por experiência própria: também te saiu do pêlo. Também
fiquei com muito boa impressão, sim senhor. Vive sozinha com a mãe numa
barraca? Também não me pareceu nada doidivanas. A ver vamos, mas uma andorinha
não faz a Primavera. É. De que parte do Minho? Conheço muito bem. Papei por lá,
se não estou em erro, a melhor cabidela da minha vida. É boa gente, lá isso é.
É muito bonita e ainda não perdeu aquela inocência fresca e provinciana. Vou
retocá-la ao gosto das madonnas venezianas, mas sem apagar os traços
rurais. Pode ser um chamariz, pode, mas toda a sabedoria vai estar no
conservá-la. Alguma vez te deixei ficar mal? Ó Judite, sabes perfeitamente que
em serviço não brinco. Está bem. Cá a espero. Rosário. Rosário quê? Não, não. A
mim, essa Francisca nunca me enganou. Vi logo. Queixa na Judiciária? Não te
metas nisso. Não paga o incómodo. Também está debaixo de olho, mas deixa-a pousar.
Não quero levantar a lebre.»
Gosto deste «… vem no Marx».
O meu pai dizia muito que está tudo no Marx. Que também devia ler Lénine. De um e outro li alguma coisa.
O livro de
Henri Krasucki que hoje aparece em Olhar as Capas, custou-me 35 escudos, ao câmbio
de hoje, 0,175 euros.
Livros como
este ajudaram a completar o que de Karl Marx fui lendo, a consciência de um
Sindicato, a luta de classes, que a sociedade capitalista assenta na
propriedade privada, capitalista, dos meios de produção e, por consequência, na
exploração.
Tudo o mais
decorre daqui.
Sim, está
tudo no Marx!
Legenda: fotograma de A Comédia de Deus de João César Monteiro
Sindicatos e Luta de Classes
Prefácio
Georges Séguy
Henri Krasucki
Tradução:
Mário Neto
Editorial
Estampa, Lisboa, Outubro de 1971
O que define o capitalista, não é o ser bom ou mau, bem educado ou grosseiro, é a sua «função» nesse sistema: não se pode ser capitalista sem explorar os trabalhadores, e não imperfeitamente, mas o mais que for possível.
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz — eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé — e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice
A Crise da Consciência Pequeno-Burguesa
Augusto da
Costa Dias
Capa: João da
Câmara Leme
Colecção
Portugália nº 1
Mas além de exigência natural das novas
estruturas industriais o comboio é ainda, quer na praxis, quer no plano da consciência
individual, um subersor das categorias ancilosadas do espaço e do tempo: e
instigando ou coagindo os homens distantes às relações mais íntimas, os seus
silvos vêm golpear sensibilidades enclausuradas, afeitas a pequenas áreas, com
um quadro de estímulos secularmente fixo. Pensemos agora que o movimento
ferroviário sofre, entre 1884 e 1900, a significativa evolução que vou resumir,
reportando-me apenas àqueles dois anos, sem me deter nos intervalares.
Hoje arrumei a estante.
Livros
empilhados há anos pelos cantos
alojando pequenos animais no rés-do-chão
imensas caves larvares de encontro aos tacos
aqui
e ali um fio de teia
mas
nunca a aranha
não
gostam de ler.
Um
a um
limpo
a lombada
folheio
miro
de relance o índice. Este é para aqui!
Coloco-o
no lugar exato da prateleira
espaço
reservado à eternidade
os outros aguardam
fitam-me com seus olhos pétreos
os mais velhos largando odores
a pó de arroz
a pó
a pétalas amortalhadas
a invernos chuvosos
lumes de lareiras e o ruído da página que se vira.
Aguardam
com olhos pétreos
suspensos
da decisão
o
pensamento universal ficou na prateleira de cima
escorre
água pelas vidraças
os manifestos revolucionários logo ao lado
esquerdo nos seus vermelhos fulgentes
na de baixo uma coleção de bichos da national geographic
dorsos em couro tartaruga
as
biografias olham-me estarrecidas.
Tantos anos para isto?
Perguntam
as
biografias dos que tombaram
para
que houvesse amanhã
tombaram
mas agora os levanto
entalando-os
com uma jarra
para
não escorregarem
agora
sim, arrumei a revolução.
Recomponho
o lume
que
soçobrava nas próprias cinzas
e
logo um labareda recomeça
Nota do Editor: este poema de Nota do Editor: este poema de João Habitualmente foi copiado do jornal Público, 10 de Abril de 1974
Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.
“É injusto dizer que Israel quer eliminar os palestinianos”, diz Paulo Rangel
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, considerou, em entrevista
ao jornal espanhol El País, que "seria muito injusto dizer que
Israel pretende eliminar o povo palestiniano".
“É injusto
dizer que Israel quer eliminar os palestinianos”, diz Paulo Rangel
O governante
português admitiu que "há uma catástrofe humana que tem de ser
condenada" e "reparada", mas recusa
a tese de genocídio no conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza e
na Cisjordânia, porque "o genocídio pressupõe a vontade de eliminar um
povo", justificou.
Passagem pelo blogue Antologia do esquecimento:
«Habitações, escolas, hospitais em
ruínas. Sob as ruínas, o cheiro putrefacto dos corpos em decomposição. As
bombas não cessam de cair, esventrando mulheres, estropiando velhos, esmagando
crianças. Aos milhares. Há relatos de fome, de gente enterrada vida, outros a
matarem a sede com água do mar, relatos de tortura, de perseguições, destruição
massiva de instalações da Organização das Nações Unidas, jornalistas
silenciados, à bala ou à censura, prisões e detenções administrativas, aos
milhares, aos milhares. Por cá, celebram-se as unhas da Iolanda. Um statement.
E os apelos à paz. E espantam-se pardais com o televoto português, que deu
pontuação máxima a Israel. Continuemos a tratar o caso com unhas de gel e outfits.
Posição, era não ter cantado. Ficar em silêncio no palco. E mandar aquilo tudo
à merda. O resto é só mais um número, espectáculo tão ridículo, boçal e
degradante quanto o da Catarina Furtado a cortar uma madeixa de cabelo em
solidariedade para com as mulheres iranianas.»
As 7 Vidas de José Saramago
Miguel Real E
Filomena Oliveira
Capa: Alceu
Nines
Companhia das
Letras, Lisboa, Setembro de 2022
Escrever uma biografia não é fácil.
Escrever uma biografia de um homem controverso, crítico, denunciante e acusador
das sem-razões por que a História tem sido construída – e das iniquidades que
se espalham hoje na paisagem do mundo – pressupomos ser menos fácil ainda.
São livros
que vieram da biblioteca do meu pai, também da do meu avô.
São livros,
técnicos, outros que não sei como classificá-los.
Ficam aqui
por mera curiosidade para memória futura.
Filhos, netos
e bisnetos, outros descendentes, terão um dia que lidar com tudo isto. Não sei
bem como e eu também não sei explicar.
Talvez seja
um tempo em que já não haja livros ou espaço para os aconchegar.
No Outro Lado
da Estante pego hoje num livro encadernado, comprado pelo meu pai na Festa
do Avante, que reproduz os exemplares do Avante publicados antes de
25 de Abril, bem como o exemplar do 1º número do Avante em tempo de
Liberdade, publicado em 17 de Maio de 1974.
Provavelmente
o meu pai, com a compra deste livro, quis recordar alguns dos Avantes
clandestinos que, em tempo de ditadura leu, porque sempre se afirmou como
marxista-leninista. Recorda as muitas vezes que disse que, para além de Marx, não
todo, não todo, deveria ler Lénine mas apenas se ficou pelo julgado necessário.
O Jornal dos Trabalhadores da Democracia e do Socialismo
Edições Avante, Lisboa 1977.
I
Não és navegador mas emigrante
Legítimo português de novecentos
Levaste contigo os teus e levaste
Sonhos fúrias trabalhos e saudade;
Moraste dia por dia a tua ausência
No mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o estar se esconde
II
E agora chega a notícia que morreste
E algo se desloca em nossa vida
III
Há muito estavas longe
Mas vinham cartas poemas e notícias
E pensávamos que sempre voltarias
Enquanto amigos teus aqui te esperassem —
E assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não como filho pródigo mas como irmão prudente
E ríamos e falávamos em redor da mesa
E tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se alegrasse
Trazias contigo um certo ar de capitão
de tempestades
— Grandioso vencedor e tão amargo vencido —
E havia avidez azáfama e pressa
No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente emoção em tua grave amizade
E em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava entre frutos e rostos
IV
E agora chega a notícia que morreste
A morte vem como nenhuma carta
Sophia de
Mello Breyner Andresen de Ilha em Cem Poemas de Sophia
Há dias,
reparei que Moby Dick ainda não tinha entrado em Olhar as Capas.
Espanto dos
espantos.
Já lá mora e
agora entra nos Começos de Livros.
Lamentavelmente
perdeu-se – onde? Como? - a velha edição, comprada pelo meu pai, da Moby
Dick da Estúdios Cor. A que hoje faz parte da Biblioteca da Casa é uma
edição da Unibolso, mas mantém a tradução de Alfredo Margarido e Daniel
Gonçalves.
É um enorme
começo de livro de um fascinante livro, um clássico da literatura.
«Tratem-me por Ismael. Há alguns anos –
não interessa quantos – achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira, e
sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me
voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas. É uma maneira que eu tenho
de afugentar o tédio e de normalizar a circulação. Sempre que sinto um sabor a
fel na boca; sempre que a minha alma se transforma num Novembro brumoso e
húmido; sempre que dou por mim a parar diante de agências funerárias e a
marchar na esteira dos funerais que cruzam o meu caminho; e, principalmente,
quando a neurastenia se apodera de mim de tal modo que preciso de todo o meu
bom senso para não começar a arrancar os chapéus de todos os transeuntes que
encontro na rua – percebo então que chegou a altura de voltar para o mar, tão
cedo quanto possível. É uma forma de fugir ao suicídio.»
Sempre
guardei – está devidamente sublinhado -
aquele:
«Sempre
que sinto na boca uma amargura crescente, sempre que sinto na minha alma a
humidade e a chuva de Novembro, sempre que minha hipocondria me domina de tal
modo que é necessário um forte princípio moral para me impedir de sair
deliberadamente para a rua e socar metodicamente o chapéu das pessoas - … então
considero que é a altura de fazer-me ao mar e o mais depressa possível.»
Um grande
livro e não poderá ser esquecido o filme que John Huston realizou em 1956. Uma
daquelas tarefas julgadas quase impossíveis mas de que o velho John Huston, se
sai mito bem, tal como Gregory Peck no papel do capitão Ahad, para nunca se
deixasse de ouvir a perna de pau a bater no convés do navio Pequod.
Também não se
pode esquecer, logo a abrir o livro, a Etimologia fornecida pelo defunto
contínuo de uma escola elementar:
«O pálido contínuo! Bem me recordo dele,
com a roupa, o coração, o corpo e o cérebro a largar o último fio… Sacudia sem
cessar o pó dos seus velhos léxicos e das suas velhas gramáticas, com um lenço
bizarro, cujo padrão, como por escárnio, representava as joviais bandeiras de
todas as nações do mundo. Adorava espanar a poeira dos velhos calhamaços;
aquilo era uma maneira subtil de não esquecer que também se havia de
transformar em pó.»
O capitão
Ahab impõe à sua tripulação a concretização do seu maior desejo – destruir a
grande baleia branca. Sob o seu rígido comando a missão comercial do Pequod é
alterada tornando-se uma missão de vingança.
Para Ahab, o monstro que destruiu o seu corpo não é uma criatura, mas sim o
símbolo de algo desconhecido.
Sem medo das catástrofes naturais, dos maus presságios ou mesmo da morte, Ahab
impele o seu navio em direcção ao perigo.
O capitão Ahab,
lembra à sua tripulação que o objectivo da viagem comercial vai ser alterada e
passa a ser uma demanda vingativa, a caça à baleia branca que o tinha deixado
sem uma perna e que agora era uma perna que tinha sido confecionada a bordo com
um pedaço de osso polido da queixada de um cachalote.
Mais à frente,
páginas 310 surge-nos o avisos:
Não há portanto nenhum meio de saber-se
como é a baleia sem irmos cacá-la. Simplesmente isso corresponde ao risco de uma
pessoa ser esmagada pelo peso da sua curiosidade e depois arrastada para o
fundo do mar. Portanto, aconselho ao leitor que modere a sua curiosidade a
respeito das baleias.»
O livro está
largamente sublinhado. Numa das margens a observação: ler o Sermão de Jonas na
baleia. «O Senhor fez com que um grande peixe engolisse Jonas, e ele ficou
dentro do peixe três dias e três noites».
Mas
fiquemo-nos com o capitão Ahab monologando, páginas 167, com o seu cachimbo,
recordando eu velhas frases lidas aqui e ali: «um fumador de cachimbo nunca
está só», ou este pedaço de prosa do jornalista António Carvalho: «Quando os
meus filhos nasceram, o fumo do meu cachimbo recebeu-os uma a um, como uma
nuvem de boas vindas. Uma nuvem feita de imaginação e de sonho. Todas as minhas
casas ficaram impregnadas desses odores – a cada um o seu perfume. Mais tarde
quando me separei, os meus filhos confessavam-me que sentiam a falta do cheiro
do meu cachimbo. Pelo menos ficou-lhes o meu rasto… Efémero, como qualquer fumo…»
Mas
regressemos ao monólogo do capitão:
«Ahab ficou por um momento debruçado sobre
a amurada, e depois, como já era seu costume recente, chamou um dos marinheiros
de quarto e mandou-o buscar ao camarote o cachimbo e o banco de marfim.
Acendendo o cachimbo na lâmpada da bitácula e colocando o banco a barlavento,
sentou-se a fumar.
Duranta alguns momentos saíram da sua
boca constantes e densas baforadas de fumo que o vento lhe arrojava à face.
«Porque será – monologou ele – que este
fumo perdeo condão de ma calmar? Oh! meu cachimbo, triste vida a minha se os
teus encantos se perderam! Aqui tenho estado eu a fumegar sem prazer – a fumar
sem dar por isso, contra o vento; e soltando fumaças nervosas como uma baleia
moribunda, cujos derradeiros jacto são mais violentos e cheios de agonia. Que
se passa contigo, meu cachimbo? Foste criado para tranquilizar, para lnçar
suaves vapores brancos para o meio de tranquilos cabelos brancos e não para as
ásperas madeixas cor de ferro do teu amo. Não mais fumarei…
Lançou ao mar o cachimbo ainda aceso; o
lume silvou nas ondas e no mesmo instante a ressaca do navio lançou para o
largo a bolha que assinalava o ponto onde o cachimbo se tinha afundado.»
Legenda: Gregory Peck no filme Moby Dick de John Huston
A Criação da
União Operária Nacional
César
Oliveira
Afrontamento,
Porto, Fevereiro 1973
A União
Operária Nacional em 1914 marca, por um lado, o triunfo do sindicalismo
revolucionário e a consequente derrota (agora praticamente definitiva) do
Partido Socialista e, por outro, o nascimento da primeira estrutura organizada,
à escala nacional, do operariado português.
Desistir
nunca é o mais indicado.
Quem estuda
não guarda cabras.
Presunção e
água benta, cada um toma a que quer.
Elogio em
boca própria é vitupério.
A grande
mudança está na nossa cabeça.
O fundo do
poço existe, mas há sempre um pedaço mais que se pode escavar.
Caminhar,
por vezes, é uma fuga.
Coordenação:
Sousa Figueiredo
Texto e
Legendas: Maria João Martins
Ecosoluções,
Consultores Associados, Lisboa, Novembro de 1999
Possivelmente, não se saberão tão cedo, os motivos que levaram o
comentador- televisivo-Marcelo-Rebelo-de-Sousa-disfarçado-de-presidente-da-república,
a destituir o governo de António Costa que era apoiado na Assembleia da
República por uma maioria do Partido Socialista.
Em entrevista conduzida por Leonardo Ralha e publicada no Diário de Notícias,
Violante Saramago, filha do Nobel português, sente-se chocada com a «Operação
Influencer» e escreveu um livro de refexões sobre a demissão do governo a que
chamou «70 Dias à Margem da Democracia», em que não poupa críticas a Marcelo
Rebelo de Sousa e à procuradora-geral da República Lucília Gago e escolheu para
epígrafe do livro uma passagem de «Ensaio Sobre a Cegueira»: «Se podes olhar,
vê. Se podes ver, repara.»
«Não
queria fazer aqui alguma avaliação jurídica sobre uma matéria para a qual não
tenho nenhuma competência, mas como cidadã, como mulher que pensa, e já viu
muita coisa, achei que era preciso olhar, ver e reparar. Não vou dizer que não
foram inocentes, mas precisam de nos convencer que foram coincidências e não foi
tudo preparado. É preciso que nos convençam que, de facto, não houve uma
montagem que levou ao que levou. Havia, constitucionalmente, outros caminhos
que não quiseram seguir. Têm de convencer um país inteiro que vê cair um
Governo, e vê dissolver uma Assembleia da República de maioria absoluta, de que
tudo isto está certo do ponto de vista ético, do ponto de vista constitucional e
do ponto de vista da política.»
(…)
«António
Costa caiu numa armadilha logo na posse do último Governo, quando o Presidente defendeu
no seu discurso que a maioria absoluta dependia da permanência do
primeiro-ministro em funções?
O
discurso na tomada de posse indiciava que poderíamos ver-nos, um dia, numa
situação deste tipo. O Presidente da República sabe muito melhor do que eu,
porque sou bióloga e ele é constitucionalista, que na Constituição não há uma
letra que diga que o primeiro-ministro é eleito. Até pode não pertencer a
nenhuma lista de candidatos. Um partido ganha as eleições e propõe um
primeiro-ministro. Portanto, não é o facto de o primeiro-ministro se demitir que implica, legal,
institucional e constitucionalmente, qualquer dissolução de uma Assembleia com
maioria absoluta».
(…)
«Governo da AD devia estar calado. Começava, por exemplo, por formar
uma lista [de ministros] que a O gente percebesse que não foi feita à última
hora. É o Presidente da República quem diz e não eu, porque não fui eu que a
recebi. Faria muito melhor em não dar o triste espetáculo que foi a eleição do
presidente da Assembleia da República. Não estamos a falar da eleição de um
gestor de condomínio. Estamos a falar da segunda figura de Estado. Aqueles
chumbos sucessivos foram uma coisa inaudita e inimaginável. O Governo da AD, em
vez de estar muito preocupado com o facto de, oportunisticamente, o partido de
extrema-direita aprovar projetos do PS, devia estar, sobretudo, preocupado em
saber como vai governar o país. É que ainda não vi nada. Vi mudar o símbolo, o que
é uma coisa absolutamente caricata. Se a coisa prioritária e emblemática é
mudar o símbolo, tenho a sensação de que estamos num retrocesso civilizacional
preocupante.»
José Esteves
Capa: Tomaz Xavier de Figueiredo
Colecção: História e Sociologia do Desporto nº 1
Prelo Editora, Lisboa, Junho de 1967
Na
confusão dos valores sociais e desportivos, entre o desporto
recreativo-higiénico-educativo, que é o da promoção social, e o espectáculo de
características desportivas, há uma pergunta, mais do que urgente, a exigir
resposta clara: em que medida é que o espectáculo desportivo é socialmente
aceitável?
Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi
o Abril que foi e Abril de agora
eu
vi Abril em festa e Abril lamento
Abril
como quem ri como quem chora.
Eu
vi chorar Abril e Abril partir
vi
o Abril de sim e Abril de não
Abril
que já não é Abril por vir
e
como tudo o mais contradição.
Vi
o Abril que ganha e Abril que perde
Abril
que foi Abril e o que não foi
eu
vi Abril de ser e de não ser.
Abril
de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril
de Abril despido (Abril que dói)
Abril
já feito. E ainda por fazer.
Manuel Alegre
Invadiu-me
uma sensação de calma, de tristeza e de fim.
Virginia Wolf
Legenda: não
foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
Uma frase de
Sérgio Godinho, tirada da entrevista que no corpo da revista deu a Marta
Ribeiro:
«Muitas vezes, o povo não é nada sábio.»
Moby Dick
Herman
Melville
Tradução:
Alfredo Margarido e Daniel Gonçalves
Capa: José
Rêgo
Colecção:
Biblioteca Universal Unibolso n 93
Editores
Associados, Lisboa s/d
Tratem-me por Ismael. Há alguns anos – não interessa quantos – achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira, e sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas. É uma maneira que eu tenho de afugentar o tédio e de normalizar a circulação. Sempre que sinto um sabor a fel na boca; sempre que a minha alma se transforma num Novembro brumoso e húmido; sempre que dou por mim a parar diante de agências funerárias e a marchar na esteira dos funerais que cruzam o meu caminho; e, principalmente, quando a neurastenia se apodera de mim de tal modo que preciso de todo o meu bom senso para não começar a arrancar os chapéus de todos os transeuntes que encontro na rua – percebo então que chegou a altura de voltar para o mar, tão cedo quanto possível. É uma forma de fugir ao suicídio.