quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

UM AMADOR DA EXISTÊNCIA


Há 18 anos morreu Rómulo de Carvalho que, em outras horas, foi o poeta António Gedeão.

Um outro príncipe da nossa cultura.

Na Feira do Livro de 2011 comprei as Memórias de Rómulo de Carvalho.

Memórias que para instrução e divertimento de seus tetranetos escreveu certa pobre criatura que, entre milhares de milhões de outras, vagueou por este mundo na última centúria do seguindo milénio da era de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mais de 500 páginas lidas de um fôlego ao longo de três dias e que, para melhor apreensão e prazer, tenho vindo a reler e já perdi a contagem dessas releituras.

Nunca votou nas eleições do Estado Novo e nas de Abril votava em branco.

Um homem de esquerda, um comunista sem partido.

Eu tenho sobre a história uma ideia que está longe de ser a mais frequente. Penso que, quem faz a história, não é o governo de uma nação. Sou eu, a vizinha do lado e o merceeiro que está estabelecido com loja na esquina da rua. É o par de namorados que passa de lambreta ou o operário que vai para a oficina com a malinha do almoço. É o poeta, é o pensador, é o cientista, é tudo, toda a gente, a que sai e a que fica em casa, todos, todos, excepto os que compõem o governo. Esses só têm uma atitude permanente, que é, atónitos, solucionarem, ou verdadeiramente, ou falsamente, os problemas que lhe são impostos.

A escassos 14 dias de morrer, Gedeão escreveu:

A vida nunca me seduziu. Entre o viver e o morrer sempre preferi o morrer. Se não tivesse nascido, ninguém daria pela minha falta. Reconheço que estou a ser indelicado com todos aqueles que gostam de mim, mas peço-lhes que me desculpem.
É preciso ter vocação para viver e é por isso que alguns se suicidam, o que é digno de todo o res peito. Nunca pensei nisso e só em consequência de um sofrimento excessivo o faria.
O mundo é repugnante e a vida não tem sentido.

As últimas palavras destas Memórias (1.100 páginas manuscritas) estão datadas do dia 5 de Fevereiro:

Chamo-me Rómulo e nasci no dia 24 de Novembro de 1906 com sete meses de gestação. Faleci em…

Adeus.

Natália Nunes, sua mulher, escreveu a data da morte: 17 de Fevereiro de 1997.

Coube-me a mim, tua Natália, preencher os espaços que deixaste em branco para escrever as datas da tua morte.
Não te digo adeus. A minha alma estará sempre contigo, que foste o meu único e grande amor.
Depois da tua partida grandes infelicidades se abateram sobre mim. Peço a Deus que te dê a paz eterna, pelo que trabalhaste, sofreste e amaste, pela tua bondade e generosidade para com todos.
Peço também a Deus que, em chegando a hora da minha partida, una a minha alma à tua eternidade e junto da sua Glória.
Até daqui a algum tempo, meu amor, meu amigo, meu companheiro de tantos anos.
Tua Natália

17 de Junho de 1998 

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