quinta-feira, 30 de abril de 2015
POSTAIS SEM SELO
Quem nasce pobre, tarde ou nunca se endireita.
A imagem romântica da miséria atrasou cem anos um país pobre.
Agustina Bessa Luís em Caderno de Significados
Legenda: fotografia de Gérad Castello-Lopes
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Postais Sem Selo
OLHAR AS CAPAS
O Caçador do Nada
Pedro Alvim
Capa: José Luís
da Conceição
Predo Editora,
Lisboa Maio de 1972
Ia muito quieto. Ia muito quieto aquele senhor.
«Dormita» - pensou a senhora gorda que se sentou no
mesmo banco.
O menino, que se sentou depois da senhora gorda,
fungou por não ir junto da janela, a ver, com olhos grandes as coisas da rua.
«E este velhote a dormir com a cara no vidro!» - dizia
o menino de si para si.
Amarelo, tilintado, o eléctrico foi-se aproximando do
términus. Agora unicamente seguia o senhor adormecido. Fim da linha.
Acorda-o, Zé – disse o guarda-freio ao condutor.
… E veio a ambulância. O corpo foi retirado do
eléctrico. Quieto. Com um bilhete de dez tostões entre os dedos da mão
esquerda.
TÍTULOS
Um certo título é difícil de fixar pela sua sua extensão, mas todos sabemos que ele existe e tentamos reproduzi-lo com um sorriso: Papá, Pobre Papá, a Mamã Pendurou-Te no Armário e Eu Estou Tão Triste, da peça de Arthur L. Kopit.
Mário de Carvalho em Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão.
OS IDOS DE ABRIL DE 1975
30 de Abril de
1975
Publicação da
lei da Unicidade Sindical.
A lei é
violentamente contestada pelo Partido Socialista, mas é aprovada por
unanimidade pelo então Conselho dos Vinte, precursor do Conselho da Revolução.
O decreto reconhece a Intersindical Nacional
como Confederação Geral dos Sindicatos Portugueses.
Recorte do Diário
de Lisboa de 27 de Janeiro de 1977 que resume a história da Intersindical
desde a clandestinidade até ao 25 de Abril.
Fontes:
- Acervo
pessoal;
- Os Dias
Loucos do PREC de Adelino
Gomes e José Pedro Castanheira.
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Verão Quente 1975
O QU'É QUE VAI NO PIOLHO
Restam poucas
dúvidas de que o principal motivo – há outros… e bem variados - por que as
pessoas não se deslocam às salas de cinema tem a ver com o preço dos bilhetes.
A primeira Festa do
Cinema a realizar-se em Portugal vai ter lugar nos dias 11, 12
e 13 de maio, e
quer levar mais pessoas às salas do cinema
.
Nos dias 11, 12
e 13 de Maio todos os cinemas, cinematecas e auditórios do país (499 salas no
seu todo) associam-se à Festa do Cinema, e vão cobrar apenas 2,5 euros
pelos bilhetes, excepto para os filmes Imax, 3D e salas VIP.
quarta-feira, 29 de abril de 2015
POSTAIS SEM SELO
Há no mundo alguma coisa mais triste do que um comboio
parado na chuva?
Pablo Neruda
Legenda: pintura
de Paul Delvaux
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Postais Sem Selo
OS TESOUROS DE SINATRA
No Steel Pier, Agosto de 1939
Algumas das primeiras actuações de Sinatra tiveram lugar em Atlantic City, perto de casa. Sinatra cantou muitas vezes no Steel Pier, como cantor residente da orquestra de Harry James; aqui vemo-lo sentado ao lado de James, que está na frente ao centro.
Charles Pignone
OS IDOS DE ABRIL DE 1975
29 de Abril de
1975
OS JORNAIS dão
conta que Eusébio, por um cachet de 2.550 contos, vai realizar 15 jogos dos
Estados Unidos.
ANUNCIADA a
saída próxima de um semanário: O Jornal. Um conjunto de jornalistas,
insatisfeitos pelas pressões que não lhes permitem a liberdade de informação
desejada, constituem-se em cooperativa para publicação do semanário
MIGUEL TORGA no
seu Diário:
Meu dito meu feito. Depois do amuo, a reacção raivosa
dos vencidos. Vencidos menos pelo significado numérico dos votos do que pela
maneira ressentida como vivem a sua
condição minoritária. O que devia ser um íntimo contentamento colectivo – cada português
a felicitar-se de pertencer a um agregado humano que depois de um cativeiro de meio século, acrescido de um
inesperado surto de medo que parecia não ter fim, foi capaz de uma atitude cívica exemplar -, motivo de
desespero para todos os derrotados. Não sabemos perder nem ganhar, Se perdemos,
odiamos o vencedor, e fazemos tudo para lhe tirar da cabeça a coroa de louros;
se ganhamos, ninguém nos atura, porque falseamos a dimensão da vitória na
expressão empolada do triunfalismo.
Fontes:
- Acervo
pessoal;
- Os Dias
Loucos do PREC de Adelino
Gomes e José Pedro Castanheira.
- Diário de
Miguel Torga.
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Eusébio,
Jornais,
Miguel Torga,
Verão Quente 1975
OLHAR AS CAPAS
Livro de Andar e Ver
Luís Veiga
Leitão
Capa: João B.
A Regra do Jogo,
Lisboa, Março de 1978
Tragédia das mulheres que, neste coice do mundo, mal
provaram sequer as alegrias da adolescência, muito menos as da infância. Demais,
as palavras que talham a figura tresandam a roupa coçada.
Mortos os pais, cavadores de sol a sol, a madrinha
tomou conta dela. Ensinou-lhe a fazer meia, a talhar um avental, a cozer o pão
no forno e outros amanhos da casa. Tudo isto acompanhado de pancada; mormente
quando os seios teimavam em romper a blusa. E os seios iam teimando e crescendo…
Neles, os rapazes davam de comer aos olhos.
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Luís Veiga Leitão Livros,
Olhar as Capas
O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?
No dia 21 de Maio
as salas de cinema do Centro Comercial Fonte Nova, fecham portas.
Há 20 anos que a
Medeia Filmes explorava estas salas.
Oito ao todo,
Foram inauguradas em 1997,
Oito ao todo,
Foram inauguradas em 1997,
Sobre o
encerramento das salas, Paulo Branco disse que as frequências de espectadores
já eram muito reduzidas e nem se justificava a existência daquelas salas ali,
sobretudo porque a não muita distância se situa o Centro Comercial Colombo,
também com exibição cinematográfica, em nove salas comerciais e modernas.
Paulo Branco fica
agora com apenas dois espaços em Lisboa: o Monumental, com programação
regular, e o Nimas destinado a ciclos temáticos.
O cinema King,
também da Medeia, encerrou em Novembro de 2013.
Os quatro trabalhadores
dos cinemas do Fonte Nova vão ser transferidos para as outras duas
salas.
Ainda hoje não
consegui escrever sobre o encerramento do King, de que fui um dos
últimos espectadores e dos cinemas que, nos últimos tempos, mais frequentava.
Há por aí uns
alinhavos sobre esse dia em que vi o lindíssimo, Viagem a Tóquio, de Yasujiro
Ozu, mas há coisas que doem muito.
Não é
esquecê-las… é apenas arranjar, um tempo, uma disposição.
Mas que tempo?
Que disposição?
Que disposição?
terça-feira, 28 de abril de 2015
NOTÍCIAS DO CIRCO
Não é normal que um país tão pequeno tenha
detidos, seja já condenados, seja à espera de decisões dos tribunais, um
primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado, um líder de
bancada parlamentar, diretores gerais. Nenhum país europeu tem tantos políticos
a contas com a justiça como em Portugal.
Henrique Neto,
candidato às eleições presidenciais.
OS IDOS DE ABRIL DE 1975
28 de Abril de
1975
NA COMPOSIÇÃO DA
Assembleia Constituinte os advogados estão em maioria.
Em 250 eleitos
há apenas 20 mulheres.
Em quatro
décadas de democracia que estão cumpridas desde 25 de Abril, encontramos 31mulheres
ministras e 467 homens, nenhuma mulher como presidente da República, apenas uma
candidata a presidente: Maria de Lurdes Pintasilgo nas eleições presidenciais
de 1986, sendo também a única mulher que chefiou um governo, nomeada, em 1979,
pelo Presidente Ramalho Eanes.
CRISTÓVÃO AGUIAR
EM Relação de Bordo:
As primeiras eleições livres de toda a minha vida!
Ficou o Partido Socialista à frente, com cerca de trinta e oito por cento de
votos expressos. Nunca tinha votado antes, que nunca me deixaram recensear nas
alturas em que havia eleições ou um arremedo delas. E se calhar valeu bem a
pena esperar tanto tempo por este dia em que o Povo Português foi votar em
plena liberdade e com uma alegria que afastava nuvens e outras sombras dos
rostos onde elas não há muito costumavam vir aninhar-se. Foi como se estivesse
toda a gente em festa tanto pelo direito como pelo avesso.
VERGÍLIO
FERREIRA NO 1º Volume da sua Conta-Corrente:
Dia 25 houve eleições. Noventa por cento do País foi
às urnas. Só dez por cento votou em branco, ou seja o que as tropas
aconselhavam para demonstrarem, como Salazar, a nossa incapacidade política.
Mas o povo sabia o que queria. E disse-o. Vagas de gente à porta das
assembleias. Duas horas em pé e à espera, foi a minha ração. Notabilidades na
minha bicha, o Rosa Coutinho. Mas também tive um jornalista a questionar-me…
Resultado: vitória dos socialistas, ou seja do slogan «socialismo sim, ditadura
não». Somos um país pacífico, vagamente preguiçoso, chateia-nos uma ordem de
caserna como a que nos imporia o comunismo. Revelado este como pobre minoria. O
activismo, a ousadia, a ameaça davam este na aparência como uma força
maioritária. Não era. Estava tudo na primeira linha e imaginava-se que havia
outras linhas atrás. Clamor agora de vencidos: «A esquerda triunfou.» Pois. Mas
não a deles. E agora?
MIGUEL TORGA NO
seu Diário:
Eleições sérias, finalmente. E foi nestes cinquenta
anos de exílio na pátria a maior consolação cívica que tive. Era comovedor ver
a convicção, a compostura, o aprumo, a dignidade assumida pela multidão de
eleitores a caminhar para as urnas, cada qual compenetrado de ser portador de
uma riqueza preciosa e vulnerável: o seu voto, a sua opinião, a sua
determinação. Parecia um povo transfigurado, ao mesmo tempo consciente da transcendência
do acto que ia praticar e ciente da ambiguidade circunstancial que o permitia.
O que faz o aceno da liberdade, e como é angustioso o risco de a perder! Assim
os nossos corifeus saibam tirar do facto as devidas conclusões. Mas duvido.
Nunca aqui os dirigentes respeitaram a vontade popular, mesmo quando aparentam promove-la.
No fundo, não querem governar uma sociedade de homens livres, mas uma sociedade
de cúmplices que não desminta a degradação deles.
Fontes:
- Acervo
pessoal;
- Os Dias
Loucos do PREC de Adelino
Gomes e José Pedro Castanheira.
- Relação deBordo – Cristóvão de Aguiar.
- Conta-Corrente de Vergílio Ferreira.
- Diário
de Miguel Torga.
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Cristóvão de Aguiar,
Miguel Torga,
Verão Quente 1975,
Vergílio Ferreira
NOTÍCIAS DO BLOQUEIO
Série de nove "fascículos de poesia"
publicados no Porto, entre 1957 e 1961, sob a direção de Egito Gonçalves, Daniel
Filipe, Papiniano Carlos, Luís Veiga Leitão, Ernâni Melo Viana e António
Rebordão Navarro. Incluíam poesia empenhada, que se insurgia contra o mundo
circundante (a violência, a injustiça, a falta de liberdade) e afirmava o valor
da solidariedade com o próximo.
A designação da revista, retirada do título de um poema de Egito Gonçalves,
publicado no 4.° fascículo de Árvore, remete para um programa de poesia de
resistência, aludindo metaforicamente ao cerco a que estavam submetidos os
intelectuais portugueses.
Sem apresentar texto programático, nem textos de crítica ou teoria poética, a publicação reúne criação poética de autores com opções estéticas diversas (além da direção, Jorge de Sena, Casais Monteiro, Miguel Torga, Afonso Duarte, António José Fernandes, Vasco Costa Marques, Mário Henrique Leiria, Maria Almira Medina, João Ribeiro Melo, Orlando da Costa, José Fernandes Fafe, António Reis, Daniel Filipe, Joaquim Namorado, João Rui de Sousa, Alexandre O'Neill, Mário Dionísio, Armindo Rodrigues, José Augusto Seabra, Pedro Alvim, Maria Teresa Rita, Gastão Cruz), mas que colaboram sistematicamente com composições subordinadas a um intuito de denúncia e combate. Cada fascículo incluía, ainda, nas últimas páginas, tradução de poetas estrangeiros (Brecht, Guillevic, Stephan Hermlin, Jorge Carreara Andrade, Jean Todrani, Nicolau Vaptzarov). Os fascículos 6 e 8 são dedicados a poetas moçambicanos e angolanos.
Sem apresentar texto programático, nem textos de crítica ou teoria poética, a publicação reúne criação poética de autores com opções estéticas diversas (além da direção, Jorge de Sena, Casais Monteiro, Miguel Torga, Afonso Duarte, António José Fernandes, Vasco Costa Marques, Mário Henrique Leiria, Maria Almira Medina, João Ribeiro Melo, Orlando da Costa, José Fernandes Fafe, António Reis, Daniel Filipe, Joaquim Namorado, João Rui de Sousa, Alexandre O'Neill, Mário Dionísio, Armindo Rodrigues, José Augusto Seabra, Pedro Alvim, Maria Teresa Rita, Gastão Cruz), mas que colaboram sistematicamente com composições subordinadas a um intuito de denúncia e combate. Cada fascículo incluía, ainda, nas últimas páginas, tradução de poetas estrangeiros (Brecht, Guillevic, Stephan Hermlin, Jorge Carreara Andrade, Jean Todrani, Nicolau Vaptzarov). Os fascículos 6 e 8 são dedicados a poetas moçambicanos e angolanos.
Da Infopédia,
Porto Editora
Este é o poema Notícias
do Bloqueio de Egito Gonçalves, do livro A Viagem com o Teu Rosto
(1958) e reunido em Os Arquivos do Silêncio:
NOTÍCIAS DO BLOQUEIO
Notícias do Bloqueio
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.
Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos - contrabando - aos teus cabelos.
Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.
Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...
Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.
Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.
Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.
Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.
Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos - contrabando - aos teus cabelos.
Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.
Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...
Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.
Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.
Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.
Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se
Esta é a canção Let My People Go cantada por Paul Robeson e referida no poema de Noémia de Sousa Deixa Passar o Meu povo
OLHAR AS CAPAS
Notícias do Bloqueio
Poemas de Noémia
de Sousa, José Craveirinha Rui Knopfli, Rui Nogar
Capa: Rui
Knopfli
Porto, Agosto de
1959
DEIXA PASSAR O
MEU POVO
Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de marimba chegam até mim
— certos e constantes —
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Marian cantam para mim
spirituals negros de Harlem.
«Let my people go»
— oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo —,
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
«Let my people go».
e sons longínquos de marimba chegam até mim
— certos e constantes —
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Marian cantam para mim
spirituals negros de Harlem.
«Let my people go»
— oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo —,
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
«Let my people go».
Nervosamente,
sento-me à mesa e escrevo…
(Dentro de mim,
deixa passar o meu povo,
«oh let my people go…»)
E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda — minha irmã.
sento-me à mesa e escrevo…
(Dentro de mim,
deixa passar o meu povo,
«oh let my people go…»)
E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda — minha irmã.
Escrevo…
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco,
e Zé — meu irrião — e Saul,
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho lumírioso do rádio
— «let my people go».
oh let my people go.
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco,
e Zé — meu irrião — e Saul,
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho lumírioso do rádio
— «let my people go».
oh let my people go.
E enquanto me vierem de Harlem
vozes de lamentação
e os meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insónia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
«Let my people go»
OH DEIXA PASSAR O MEU POVO.
vozes de lamentação
e os meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insónia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
«Let my people go»
OH DEIXA PASSAR O MEU POVO.
Lourenço Marques 26.l.50
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É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS
Será que este rapaz, a perguntar:
- Eu?... Porquê?... é o Jorge Jesus treinador do Benfica?
Se não é... bem parece!...
O anúncio foi publicado em O Seculo Ilustrado de 4 de Maio de 1974.
segunda-feira, 27 de abril de 2015
POSTAIS EM SELO
E o horizonte que no olhar não cabe.
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Postais Sem Selo
OLHAR AS CAPAS
Histórias do Cinema
João Bénard da
Costa
Capa: Lígia
Pinto
Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, Lisboa Agosto de 1991
OS TESOUROS DE SINATRA
Com Dean Martin e Sammy Davis Jr., Setembro de 1963
O trio de Dean, Sammy e Sinatra era sempre bem-vindo
no palco do Sands. Aqui davam a conhecer uma das suas brincadeiras do momento,
desenvolvida à volta da estatura reduzida de Sammy.
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Frank Sinatra,
Sammy Davis Jr.
UMA PARTIDA MARCELISTA
28 de Abril de 1969
Ontem o 1º espectáculo deplorável do Salazar na
televisão – escaveirado, com o lado esquerdo paralisado e a ler enrodilhadamente
uma mensagem de que ninguém percebeu patavina.
O texto – vi-o hoje nos jornais - era o seguinte:
«O número de pessoas que se interessaram pela minha
saúde e vida quando gravemente comprometidas, comoveu-me profundamente. É a
primeira vez que me apresento em público e não podia deixar de ter no meu
espírito todas essas manifestações de amizade, carinho e interesse para lhes
render o tributo da minha gratidão. Deus foi infinitamente bom para com as
nossas súplicas e demonstrações de aflição. Pedimos-lhe que continue a
proteger-nos e a ajudar-nos.»
O Abelaira:
- Não há direito dos marcelistas pregarem esta partida
vergonhosa aos salazaristas. Mostrarem-lhes um cadáver maquilhado para provarem
ao país que o Salazar já não podia governar. O pobre coitado lá voltou para a
cova.
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José Gomes Ferreira,
Salazar
OS IDOS DE ABRIL DE 1975
27 de Abril de
1975
OS JORNAIS
continuam a dar relevo aos resultados das eleições para a Assembleia
Constituinte.
Hoje, sabe-se
que não mais voltou a existir um grupo de deputados, de todos os partidos, como
aquele que foi eleito.
Quer política
quer culturalmente.
Citado de Os Dias Loucos do PREC
Nas páginas de cobertura do acto eleitoral o Popular conta a história de uma senhora
de 78 anos, que se apresentou no local da votação «a tremer e as lágrimas a
rebentarem nos olhos, implorando que a ajudassem.» Obtida a concordância dos
seus colegas, o presidente da mesa aproximou-se dela e ajudou-a a fazer um
risco no voto («estava provado à evidência, que aquele não seria um acto político
consciente», daí a opção pelo voto nulo).
À saída, o repórter fala com a cidadã. Fica a saber
que é moradora na Rua do Arco Carvalhão, «onde proliferam barracas». E que vive
«de uma esmola da Misericórdia».
- Veio votar porquê?, pergunta o jornalista.
-Porque tinha medo que me retirassem a esmola.
O repórter vê, no episódio, «uma marca indelével do
fascismo». E também o «preço de uma aprendizagem política» a haver.
NATÁLIA CORREIA,
no seu livro Não Percas a Rosa:
À medida que a televisão transmitia imagens do cerco repugnante dos repórteres aos eleitores
rústicos que se avizinhavam das assembleias de voto, a certo regista:
Interpelando uma idosa mulher do campo, um dos
garanhões da reportagem destinada a vexar a consciência cívica das populações
rurais, lançou-lhe este desafio:
- A senhora sabe o que é uma Assembleia Constituinte?
A velha estacou para o medir com um olhar desprezível e ripostou-lhe numa ironia embaraçante:
A velha estacou para o medir com um olhar desprezível e ripostou-lhe numa ironia embaraçante:
- E vossemecê sabe o que é um almude?
DOMINIQUE
POUCHIN à conversa com Mário Soares:
Um ano. Dia após
dia, a seguir à sublevação libertadora dos capitães, Portugal elegeu os
deputados à Assembleia Constituinte: eis chegada a hora que Você tanto
esperava, certo de que seria a desforra. À noite, nos salões da Fundação
Gulbenkian – onde mil jornalistas de toda a parte do mundo ouviam os resultados
sem surpresa -, saboreava a sua vitória e o fracasso dos comunistas. Em
privado, Você não deixaria de notar que este segundo 25 de Abril seria um duro
golpe para aqueles que fizeram o primeiro.
Fontes:
- Acervo pessoal;
- Os Dias
Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.
- Não Percas a Rosa de Natália Correia
- Portugal: Que Revolução? de Mário Soares e Dominique Pouchin,
Perspectivas & Realidades Editores, Abril de 1976.
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25 de Abril,
Mário Soares,
Verão Quente 1975
domingo, 26 de abril de 2015
POSTAIS SEM SELO
O derrube de uma árvore provoca um estrondo enorme;
uma floresta a crescer não se ouve.
Legenda: não foi possível obter o autor/origem da fotografia.
DITOS & REDITOS
Não é pobre o
que tem pouco, mas o que deseja muito.
A solidão da
partida sabe tão bem como o desejo da chegada.
Porque será que
todos os burros têm sorte.
As mulheres vestem-se
tanto melhor, quanto mais tencionam despir-se.
O menino dorme.
Tudo o mais acabou.
Os pobres quando
adoecem deitam-se e tomam chá.
A boca a
saber-lhe a risos podres.
Enquanto dura,
vida doçura.
OLHAR AS CAPAS
Ponte Inquieta
3º Volume de Dias
Comuns
José Gomes
Ferreira
Publicações Dom
Quixote, Lisboa, Maio de 2000
13 de Setembro de 1967
Miguel Torga discursou ontem na Universidade de
Coimbra num colóquio comemorativo da Abolição da Pena de Morte em Portugal. Não
li a comunicação e ignoro até se os jornais a publicam na íntegra.
Oxalá Torga, com a costumada coragem dos escritores
que aceitam essas missões, não se tenha esquecido de protestar contra o que
hoje tanto nos desonra diante de nós mesmos: as medidas de segurança e as
torturas policiais.
Sem isso para que serviria o discurso? Para dourar um
momento?
Não se pode ser nada, quando o solo debaixo dos pés é um coágulo informe
sorvido por outros corpos sociais dominantes de que os que governam são apenas
lacaios.
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José Gomes Ferreira Livros,
Miguel Torga,
Olhar as Capas
sábado, 25 de abril de 2015
POSTAIS SEM SELO
Não se pode ser nada, quando o solo debaixo dos pés é um coágulo informe sorvido por outros corpos sociais dominantes de que os que governam são apenas lacaios.
Maria Velho da
Costa em Cravo
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25 de Abril,
Maria Velho da Costa,
Postais Sem Selo
AO CAIR DAQUELA TARDE DE ABRIL
Rua António
Maria Cardoso em Lisboa.
Hoje, este edifício
Outrora, foi a
sede da sinistra PIDE.
Já tinha sido,
de 1933 a 1945, da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE).
Em 1969, tempos da
dita «primavera marcelista», passou a chamar-se DGS, mas a mudança apenas aconteceu
no nome.
Continuaram a
perseguir, a prender, a espancar, a torturar, a assassinar.
No findar da
tarde de 25 de Abril de 1974, das janelas da sede, os pides abriram fogo sobre
os populares que aguardavam a sua rendição.
Quatro mortos,
dezenas de feridos.
Lembrança de José-Augusto França nas suas Memórias para o Ano 2000:
Na sua sede, na António Maria Cardoso, a Pide, cercava, atirava da janela sobre a multidão, por raiva e pânico, matando quatro pessoas e nunca foram identificados os assassinos, orém fáceis de achar, entre os da casa que, sem dúvida, os teriam denunciado e foram ocupando o forçado recolhimento a destruir os arquivos da corporação, bens do Estado não só Novo - do que foram curiosamente desculpados.
No tal edifício
de luxo, a placa que assinala a morte desses populares.
Título de O
Primeiro de Janeiro, de 16 de Janeiro de 1971, resultante de uma
discussão na Assembleia Nacional, sobre o modo
como os presos políticos eram tratados nas prisões da ditadura.
Dias antes, os
deputados da ala liberal, Sá Carneiro e Pinto Balsemão, tinham-se deslocado às
prisões e confirmaram as queixas que os familiares dos presos políticos lhes
tinham dirigido.
Texto publicado
no Diário de Lisboa de 18 de Maio de 1974:
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Pide
OS IDOS DE ABRIL DE 1975
25 de Abril de
1975
Dia de Eleições.
Dia histórico,
Dia de Festa.
Os militares de
Abril cumpriam mais um dos seus objectivos programáticos.
De um total de
6.177.698 eleitores inscritos, 1.700 mesas de votos espelhadas pelo país, votaram
5.666.696-
A abstenção
cifrou-se nos 8,3%.
Pela primeira
vez milhares de portugueses sabiam o que era depositar um voto numa urna e
escolher um futuro novo.
Longas filas de
portugueses juntaram-se, desde manhã cedo, junto às assembleias de voto.
A RTP realizou
uma emissão de 30 horas para, a par e passo, dar conta de tudo o que nesse dia
ia acontecendo.
Foram
acreditados 911 jornalistas estrangeiros para cobrirem as eleições.
Muitas eram as
opiniões de que o povo não tinha a plena consciência do que era a democracia e
em quem votar.
É reconhecido o
papel fundamental da Igreja que, através dos seus padres, alertavam os fiéis
para os perigos do Socialismo e do Comunismo.
O Partido
Socialista venceu as eleições.
Militares, e não
só, ainda hoje mantém a ideia que o voto no PS muito ficou a dever às campanhas
de dinamização do MFA, em que a palavra socialismo era largamente referida e o
PS era o único partido que tinha essa designação.
Segue-se um
extracto da análise política das eleições feita pelo Conselho da Revolução. O
documento é retirado de Portugal Depois de Abril:
Fontes:
- Acervo
pessoal;
- Os Dias
Loucos do PREC de Adelino
Gomes e José Pedro Castanheira.
- Portugal
Depois de Abril de Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso,
Edição dos Autores, Lisboa, Maio de 1976.
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Verão Quente 1975
E ENTÃO O QUE É QUE SE HÁ-DE FAZER?...
Não havia muito por onde me informar na circunstância:
telefonei ao Fernando Azevedo, que, já sabia, mas não sabia de nada e, apesar
do segundo ou terceiro telefonema da mãe, bem certa já do que acontecia e dos
seus perigos, fui rua acima até ao Rato, talvez por referência histórica
visivelmente inútil, que não havia Rotunda no saco, e não encontrei ninguém;
tornei a casa e saí depois rua abaixo até à Misericórdia onde as pessoas
começavam a animar-se, com correrias para o Carmo, em gáudio de rapaziada, e
outras gentes a rondar, à espera, interpelando-se a medo, ainda. Não quis (ou
tive medo de) continuar, voltei a ouvir em casa as notícias excitadas da rádio –
e as transmissões das forças fiéis, apanhadas em grande surpresa e susto, a comunicarem para um comandante tido como chefe das operações, que, felizmente para ele, não deixou nome na história desse dia. Falavam as forças do Camões,não hostilizadas, na verdade, mas talvez porque o povo julgasse que eram também revolucionárias – dizia o seu oficial. E no Rossio? Interrogava o general. Não se sabia nada. Havia que mandar um pelotão a saber! Pois tinha sido mandado,mas não dera mais sinal de si… E no Carmo? Pois estava uma multidão de gente ao lado da tropa, a cercar o quartel da Guarda. Era preciso mandar um avião bombardear, receitou então o General. Mas, assim no centro da cidade? duvidava o major. Pois era, pois era… reflectia o Estado Maior, ante a dificuldade em que não tinha pensado. Era a guerra tal e qual como o meu caro Raul Solnado a contara! Ficou gravado e sabe-se com certeza o nome dos oficiais, generais e não, em causa, pobres diabos apanhados numa história que se fazia historieta, à altura deles. Um só, brigadeiro de seu posto, e à paisana resistiu, no Terreiro do paço…
No Carmo tinham achado refúgio Marcelo Caetano e uns
tantos ministros; alguns choravam o emprego perdido, ele foi digno e triste,
sabendo há muito como tudo estava perdido, no Estado Novo que sempre servira,
por convicção, ambição e final sacrifício. Depois viria um general de passado
carregado mas oportunamente achado, à falta de outro, para dar salvação ao caso
– e recomeçar uma história republicana havia quase meio século interrompida. Na
medida das possibilidades destes dias incertos.
Legenda: fotografia tirada do Catálogo 25 de Abril, Cinemateca Portuguesa, Lisboa, Abril de 1984.
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José-Augusto França
OLHAR AS CAPAS
Poemas de Ponta & Mola
Mendes de
Carvalho
Editorial
Futura, Lisboa, Abril de 1975
POEMA DE ABRIL
No silêncio da noite
a palavra
(a)guardada
No silêncio da noite
a palavra
libertada
No silêncio da noite
transmitida
a palavra
No meu país cinzento
no meu país sofrido
mártir
prisioneiro
e atraiçoado
a palavra alastra
e voa
a tua palavra
meu povo
penitente
sem pecado
tinhas um cravo de sangue
um cravo de medo
um cravo de morte
um cravo de sal
cravo de terror
cravo de caxias
cravo de peniche
e tarrafal
Na manhã de Abril
um cravo encarnado
nasce no peito
aberto
dum soldado
Na cidade na aldeia
nas praças nas ruas
irrompe liberta
uma flor de força
e de combate
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Olhar as Capas
NOTÍCIAS DO CIRCO
A notícia tem
dois ou três dias mas quis deixá-la no dia de hoje.
Entretanto, face
às legítimas reacções, o aborto foi já colocado na gaveta.
Apenas colocado,
note-se.
Não quer dizer
que, mais dia menos, não volte a aparecer.
Porque são
imensas as saudades que uma clique de gente tem desse tempo negro que nos
assolou durante meio século.
Em cada dia que
passa mais se instala a ideia de que já não sou daqui nem de parte alguma.
Porque esta cáfila
de aldrabões e corruptos que nos rodeiam, inventam, diariamente, um Portugal
que não é o meu nem, salvo eles próprios, de nenhum português.
Por Setembro,
convém perceber, de uma vez por todas, que não poderemos continuar a eleger
toda esta escroqueria que nos conduz à miséria e à fome.
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sexta-feira, 24 de abril de 2015
POSTAIS SEM SELO
Ele não sabia que era
impossível. Foi lá e fez.
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Salgueiro Maia
CRAVOS E VERDI
Nos últimos anos
da ditadura, o Teatro São Carlos estabeleceu uma parceria com o Coliseu
dos Recreios de modo a que as óperas que Eram representadas no São Carlos também
pudessem ser vistas na velha sala das Portas de Santo Antão.
Era a possibilidade
de um vasto leque da população, sem dinheiro, nem fraque, nem jóias para
frequentar São Carlos, pudessem usufruir desses espectáculos, como
que dando seguimento à célebre frase de António Silva de que a ópera é
música para operários.
Quando, nessa
noite, 24 de Abril de 1974, perto de cinco mil pessoas aplaudiram
freneticamente os artistas, com Alfredo Kraus e Joan Sutherland à frente do
elenco, que representaram La Traviatta de Verdi, já as senhas do Movimento
das Forças Armadas tinham sido transmitidas pela rádio.
A reportagem do Diário
de Notícias dava conta que, no meio das ovações intermináveis, cravos foram
lançados das frisas.
Regressando a
suas casas, desconheciam que esse começo de 25 de Abril não era mais um
dia do calendário, um dia como outro qualquer.
Um regime
decrépito, que nos massacrava os ouvidos com afirmações de coragem e
heroicidade, que se as forças do mal atentassem contra a ordem
estabelecida, vinham para as ruas dar o peito às balas.
Em escassas horas, o senil regime esfrangalhou-se.
Não soltaram um pio.
Como disse o Hélder: foi um ar que lhes deu.
Em escassas horas, o senil regime esfrangalhou-se.
Não soltaram um pio.
Como disse o Hélder: foi um ar que lhes deu.
A partir desse
dia, protagonistas de uma grande esperança, nem nos pesadelos mais negros,
admitimos que viríamos a ser invadidos por um desencanto sem nome.
Aconteceu!
Encharca-nos os dias.
Encharca-nos os dias.
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Joan Sutherland,
Ópera
OS IDOS DE ABRIL DE 1975
24 de Abril de
1975
AMANHÃ é Dia de
Eleições.
As 24 horas de
reflexão determinadas pela lei serão quebradas apenas por uma alocução do
Presidente da República General Costa Gomes.
SEGUNDO o Jornal
Novo, um grupo de pessoas lançou o Movimento para a Contracepção e Aborto
Livres Gratuitos. O movimento fala em atitude hipócrita por parte da sociedade,
pois o número de abortos praticados no País equivale mais ou menos ao número de
nascimentos: de três em três minutos, uma mulher portuguesa aborta.
JOSÉ GOMES
FERREIRA em Intervenção Sonâmbula:
Se há pessoas que me ofendem até ao mais fundo do
desdém são os indiferentes.
Tanto os que fingem ignorara, com frigidez palerma de
manequins, o tumulto enternecido da revolução em que vivemos, como os que se
escondem atrás de risinhos de boca torcida com cepticismo que alguns confundem
com inteligência idiota.
- Acervo
pessoal;
- Os Dias
Loucos do PREC de Adelino
Gomes e José Pedro Castanheira.
- IntervençãoSonâmbula – José Gomes Ferreira
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
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José Gomes Ferreira,
Verão Quente 1975
OLHAR AS CAPAS
Então mas que é isto toda a gente vota menos eu parece
que mandam um papelinho e a gente escreve o nome de quem quer e mete numa caixa
e depois eles vão lá e contam e quem tiver o nome escrito em mais papéis ganha
lá o que se ganha não sei porque ninguém me explicou e já perguntei a mais de
cem pessoas ou talvez fossem só cinco e começam a olhar para mim como se eu
fosse doida e mudam de conversa mas que Pagode é este o meu Pai diz para eu
meter o bedelho na minha vida como se esta não fosse a minha vida até parece
que tenho outra o meu primo Manel diz que o melhor é eu estar calada e não
fazer perguntas o meu padrinho quando eu lhe perguntei o que é que ganhava quem
ganhasse as votações perguntou-me se eu queria metê-lo em sarilhos mas então
que é isto senhor José que é o dono do talho onde a minha Mãe compra carne de
cavalo que depois diz meu pai que é de vaca quando eu lhe perguntei que nome é
que ele escrever no papelinho das votações abriu os olhos deixou cair a faca e
cortou-se num dedo do pé e disse uma palavra que se a minha Mãe ouvisse ia-lhe
a um sítio que eu cá sei bumba bumba bumba que ele ficava a arder ai não mas
então que pagode é este ninguém me diz nada e eu se não fosse ter os ouvidos
abertos morria burra nestas coisas de votações ai não mas como não estou cá por
ver andar os outros já percebi umas coisa que não posso é dizer senão fico por
aqui e não aprendo mais nada que eles calam-se logo mas a minha Avó coitada que
não regula bem da cabeça para não falar do estômago e de outras coisas porque
ontem foi à casa de banho sete vezes diz que as votações só servem para ir
parar tudo não sei aonde o meu pai que é funcionário público não quer
brincadeiras e diz que isso é para gente rica não é para funcionários e quando
eu lhe peço para me explicar começa aos gritos a dizer que sabe muito bem o
que está a dizer e que o Gomes ficou pobre e que ele não quer ficar pobre mas
se ele tem tanta certeza no que diz então para que é que grita isso é que eu
queria saber sim isso é que eu queria saber mas ninguém me diz é ó dizes mas lá
que mete medo mete eu estava a pensar em escrever o nome do meu pai no tal
papelinho para ver se ele ganhava as votações porque se calhar fazia-lhe
arranjo que ele com o que ganha não se governa mas quando falei n isso e ele ia
caindo da cadeira baixo e depois bumba bumba bumba que já não se pode querer
ajudar a família livra que isto de levar tareia no rabo não é vida para ninguém
quem me contou mais coisas foi o senhor Ricardino que vende lotarias da Santa
casa e que tem tantos fregueses que já podia vender lotarias mesmo dele até já
falámos nisso mas ele tem medo é o que eu digo anda toda a gente com medo então
que diferença é que fazia sim que diferença é que fazia as lotarias dele não
davam nada mas a s outras também quase nunca dão e ele sempre ganhava para
meter um queijito no pão que aquilo de comer sempre pão com nada e nada com pão
até faz mal mas ele é que me disse que as votações são assim um jogo diz o
senhor Bernardino que vende lotaria branca pensos pentes e atacadores agora há
muitos que já não escrevem nada porque viram a barba do vizinho a arder que é
como quem diz que isso a mim a tal barba do vizinho havia de me fazer muita diferença o que me
fazer muita diferença o que me faz diferença é o rabo bumba bumba bumba não é a
barba do vizinho o meu Pai diz que se ninguém soubesse também lá ia deitar o
papelinho mas é ó vais eu gostava que ele deitasse lá isso gostava que era para
ele ficar com o rabo a arder para aprender como é ai não que dói como burro mas
ele não é homem para isso nem a minha Mãe deixa a minha Mãe ser mulher para
isso nunca podia ser porque já está como mulher no bilhete de identidade e quem muda o que vem ni bilhete de
identidade trama-se eu que diga a bumba que levei quando pintei uns bigodes no
retrato do meu Pai no bilhete de identidade levei que ia ficando doida bumba
bumba bumba mas para me vingar no sítio onde diz sinais particulares escrevi é
parvo e bate na filha e ele ainda não deu por nada quando der é certo e sabido
bumba bumba bumba ai não mas não escapa de toda a gente saber que ele é parvo
porque eu escrevi a tinta da China e lá essa coisa das votações é assim e o
resto são tretas como diz o senhor Bernardino que já disse que desta vez talvez
saia uma terminaçãozita mas não sai mais nada senão bumba no tambor para agente
aprender agora foram lá pôr na minha rua uns cartazes que são uns papéis que se
colam para tapar os buracos aos prédios enfim o que eu queria era saber o que é
que ganha quem ganhar as votações há quem diga que é brinde será de plástico ou
chocolate isso é que eu queria saber mas também gostava de votar lá isso
gostava porque com o treino de bumba bumba que tenho lá de casa ficava-me a rir
desta vez tenho de assinar com outro nome que lá em casa é como se houvesse
votações quem manda é ele e bumba bumba bumba
ANTONINHA
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Luís de Sttau Monteiro Livros,
Olhar as Capas
quinta-feira, 23 de abril de 2015
POSTAIS SEM SELO
Quem não sabe
nada e pensa que sabe tudo, deveria lançar-se na política.
DO BAÚ DE POSTAIS
Algés, Cruz
Quebrada, Trafaria foram as praias da minha infância e adolescência.
Toldos e
barracas de pano às riscas de diversas cores.
Os papagaios de papel voando nos
ares e ficava a olhá-los. Surpresa feliz.
Hoje, vêem-se
nas praias outros papagaios, mas sofisticados representando diversas figuras.
Os do meu tempo eram feitos de papel de seda colorido, pedaços de canas cruzados, um
longo rolo de corda.
O conselho de
quem sabia: os papagaios de papel sobem contra o vento e não a favor dele.
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