sexta-feira, 21 de abril de 2017

BASTA UMA JANELA PARA ME FAZER FELIZ


Verdade seja dita: não tenho muitas queixas a fazer do Destino. E aqui no estágio, além do mais, encontrei uma varanda linda: Linda porque Lisboa é linda e vê-se metade dela da varanda da sala 19. Uma vez subi a um quarto andar onde mora um tipógrafo; ia com ganas de lhe comer os fígados, porque me andava a enganar desde que o livro entrara na oficina. Pois recebeu-me, lá no alto, um sol magnífico a cair sobre Lisboa: isto tudo visto por uma pequena janela. Adeus, fúrias, adeus palavras como punhais! Basta uma janela para me fazer feliz e foi o que me aconteceu, quando cheguei à sala 19. Era o castelo, era o Tejo, era a cidade de mármore e granito (como dizem) a espreitar para dentro da aula. Vai, que fiz eu? Como queria tomar o pulso aos rapazes em matéria de escrita, propus-lhes aquele tema. «Da varanda da nossa aula» podia muito bem ser o título da redacção; mas também podia ser outro, à escolha do freguês. O que eles escrevessem servia para eu ver como escreviam, como viam e como imaginavam.

Sebastião da Gama em Diário

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