sexta-feira, 8 de setembro de 2017

SALVADOR, UM RAPAZ ESPECIAL


Salvador fez-nos um vídeo e falou-nos como dois transmontanos que se dão um abraço calado porque um deles sofreu uma perda. Começa a ser rara a gente sem gatinhos no olhar e nas frases. "Olá a todos, daqui Salvador." O vídeo fixa-se nele e num desenho de garoto, pendurado por fita-cola na parede. Podia ser dele o desenho, é de homem. Fala da saúde que lhe foge: "E chegou infelizmente a altura de me entregar, de entregar, digamos, o meu corpo à ciência." Salvador desfaz a piada com nova piada: "Portanto, sair deste mundo de civis e ir para um outro onde este problema seja resolvido." Há momentos destes, redentores para a tecnologia e o progresso, falo da internet, que foi sequestrada por delambidos com pena de si próprios. Afinal, a ciência talvez nos tenha dado também uma ferramenta para gente sensível gozar com a morte e agarrar a vida. "Entregar, digamos, o meu corpo à ciência...", já tive homens e mulheres que me falaram assim, cáusticos e íntimos, mas éramos dois, já tinha desesperado que isto pudesse acontecer pela internet. Salvador acredita, não nos milhares para quem falou, mas num e outro e outro, cada um que foi tocado por um homem forte de saúde frágil. "E tudo vai correr bem", diz. No fim: "Vou tocar uma coisinha assim por brincadeira..." Pôs-se a cantar não digas adeus, diz olá. Quem percebeu soube que ele vai voltar. Que ele quer voltar. E, aqui entre nós, egoístas, precisamos que ele volte.

Ferreira Fernandes no Diário de Notícias

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